Onde fica o Marco?

A leitora Fernanda Gamito andou à procura de “uma minúscula aldeia, ou melhor, metade de uma aldeia numa das margens da ribeira de Abrilongo”; na outra margem, a outra metade da aldeia é El Marco.

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Metade da aldeia é Marco, a outra metade... El Marco Fernanda Gamito
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Desde o desvio que assinalava via pública sem saída, a estrada estreita, por onde só passa um carro de cada vez, atravessa montes, hortas e pomares formosos, até chegar a um pequeno aglomerado alentejano. Confirma-se que não há outra saída para viaturas, senão o caminho que nos trouxe até aqui. O mais certo é termos vindo ao engano, mas procuramos direcções na mercearia local, muito arrumada, que vende de tudo um pouco, incluindo chocalhos, badalos e botas de couro: “Como se chama este sítio onde estamos?” “É a Várzea Grande.” “Ah, nós procurávamos o Marco...” Então, mas aqui é o Marco!...” “Ah!? E a ponte?” “A ponte é só descer por aí abaixo...”

“Quem não sabe, é como quem não vê”, lá dizia certo pastor num outro tempo; a Várzea Grande, como o nome indica, é um lugar maior, com povoamento mais ou menos disperso, do qual faz parte... o Marco.

E o que é o Marco? Uma minúscula aldeia, ou melhor, metade de uma aldeia numa das margens da ribeira de Abrilongo, pois, na outra margem, a outra metade da aldeia vem a ser... El Marco. Além desta, apenas mais uma localidade portuguesa está dividida pela fronteira internacional, mas essa fica muito a norte, no concelho de Bragança, e chama-se Rio de Onor.

A comunidade raiana que nos trouxe aqui fala alentejano e estremenho, mas vozes só se ouvem do lado português. Descendo o caminho pedonal indicado, depressa se avista a mais pequena ponte internacional do mundo, como consta em certas descrições. Seis metros chegam para atravessar a bucólica ribeira-fronteira, rodeada de aveleiras, figueiras e oliveiras e chilreios de pássaros que nem sabem de que terra são. Apenas três metros depois, até a linha de água se passa a chamar arroyo Abrilongo.

Vamos então ali a Espanha e já voltamos. Em El Marco, não há muitos sinais de vida. Casas fechadas e com anúncios “Se Vende”, nenhum comércio, um fontanário por onde já não corre a água, as referências frias ao município de La Codosera nas caixas de saneamento e nos contentores de resíduos.

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Regressados a Portugal, não resistimos a fazer mais perguntas na mercearia do Marco: que aconteceu do outro lado? Os espanhóis envelheceram ou mudaram-se; fecharam as duas lojas que lá existiam. Deste lado, há mais gente, casas arranjadas, a antiga escola, antigamente frequentada tanto por portugueses como por espanhóis, agora transformada em alojamento local que está a ser caiado de novo, nesta manhã de sol. Crianças também as há, mas são levadas à escola em Arronches, juntamente com as da sede da freguesia, Esperança.

Não havendo mais nenhuma, regressa-se do Marco pela mesma estrada estreita, a caminho da Esperança. Ao contrário do que estamos habituados a encontrar em antigas localidades do interior do país, Esperança é uma aldeia que tem quase tudo e mais qualquer coisa. O casario típico, de grandes chaminés, com rodapés e molduras de janelas coloridos de ocre e azul, também parece acabado de pintar; há restaurante, unidades de turismo rural, adegas, mercado, lar, centro de saúde e farmácia, um centro interpretativo da identidade local. Só às antigas escolas são dados outros usos, actualmente menos por falta de crianças e mais por decisão política, centralizadora e economicista. De resto, como lá atrás, no Marco, há vida, portas entreabertas, campos cultivados rodeados de vinhas, ruídos de tractores misturados com chocalhos e rebanhos de ovelhas, que balem, aflitas, quando paramos a olhar os seus cordeiritos recém-nascidos...

Onde fica afinal o Marco? Quem não sabe, fica a saber, mas também pode ir ver: o Marco é metade de uma aldeia no concelho de Arronches, Alto Alentejo, freguesia da Esperança.

Fernanda Gamito

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