Precisamos de mais solo urbano?

A urbanização difusa e descontrolada está estudada. São territórios que perderam as características do mundo rural, mas também estão longe de oferecer a qualidade de vida das cidades consolidadas.

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Megafone P3: Precisamos de mais solo urbano? Duarte Drago
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O Governo quer facilitar a construção fora das cidades, em solo rural. O decreto de lei, aprovado em Conselho de Ministros, foi anunciado como uma medida de equidade social, quando cria habitação a preços moderados, tal como foi descrito.

Percebe-se a motivação para construir novas casas quando a escalada de preços continua. Percebe-se ainda que algo tem de ser feito — aliás, o programa Construir Portugal do Governo tem 30 medidas ambiciosas. Mas esta revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos Territoriais (RJIGT) merece ponderação. As câmaras municipais passam a classificar solo rústico como urbano, sem pareceres ou autorizações de outras entidades, relaxando o controlo sobre o crescimento das cidades.

Ao anunciar esta revisão, o Governo sugere que o país tem falta de solo urbano, ou que as cidades estão sem espaço para construir novas casas. Mas há um conjunto numeroso de municípios com mais de 1500 metros quadrados de solo urbano por habitante, um valor várias vezes superior ao de outros países europeus, que tal como Espanha, conseguem cidades mais compactas.

É claro que espaço em abundância pode ser sinónimo de qualidade de vida. Mas, nestes indicadores, é uma dor de cabeça: maior área por habitante equivale a maiores deslocações. Significa que as cidades são dispersas, podendo perder uma densidade populacional que justifique a presença de transportes públicos, muito menos de comércio de proximidade.

O problema vai além dos valores abstractos, de densidade populacional ou de ocupação do solo. A urbanização difusa e descontrolada está estudada e documentada. Torna-se perceptível por quem passa em estradas nacionais pelo país fora, que há muito perderam a paisagem rural de outrora. Frequentemente, estão rodeadas por um somatório de moradias, estaleiros, placas de estrada, terrenos com produtos expostos, estufas e batatais, sem qualquer critério: a crise de identidade é evidente. São territórios que há muito perderam as características do mundo rural, mas também estão longe de oferecer a qualidade de vida das cidades consolidadas.

As cidades dispersas são menos sustentáveis quando a população depende do automóvel nas tarefas mais simples do dia-a-dia. Trata-se de um problema global, a que se dá o nome de suburban sprawl, e que países de todo o mundo têm tido imensa dificuldade em conter, porque a generalização do automóvel cria interesse em terrenos cada vez mais longe dos centros urbanos.

Portugal tinha tomado uma medida corajosa, pela mão do Governo de Passos Coelho, que foi a extinção do solo urbanizável em 2015. Essa classe de solo terminou, simplificando a gestão urbanística: passou a haver solo urbano e solo rústico. Em solo urbano pode-se urbanizar; em solo rústico, a construção é muito mais limitada, e as cidades assim não crescem indefinidamente, preservando o mosaico de paisagens que sempre definiu o território português.

É claro que, desde 2015, o boom turístico mudou a face de várias cidades. Portugal, um país seguro e com clima ameno, continua a receber avultado investimento imobiliário estrangeiro. Entre as 30 medidas do plano Construir Portugal, várias contribuem para melhorar a qualidade de vida nas cidades, como o lançamento de imóveis públicos no mercado de arrendamento — para repovoar os centros urbanos, que precisam de manter o comércio e os serviços de proximidade.

No caso da construção em solo rústico abre-se um antecedente comparável ao do solo urbanizável. É caso para perguntar: que cidades irá construir? Que tipo de centralidades, que redes e infra-estruturas será necessário reforçar e estender, para levar a cidade ao campo? Já há estradas nacionais suficientes com casas alternadas com letreiros, armazéns e terrenos onde se expõem produtos para condutor ver. É esse o tipo de habitação que se quer promover para os destinatários da revisão do RJIGT, que o Governo apelida de classe média?

Como é óbvio, as cidades evoluem com o tempo: expandem e (por vezes) recuam. Mas, reconheçamos, é mais fácil classificar o solo rústico como urbano do que o contrário. Aumentar a área de uma cidade, num país onde a população nem sempre aumenta, traz o risco dos direitos adquiridos de construção. Nenhum proprietário vai querer investir num terreno urbano para depois perceber que já lá não pode construir uma urbanização.

Também se pode perguntar, o que irá acontecer ao mundo rural, quando o solo urbano crescer à custa do solo rústico. O Governo teve o cuidado de manter as restrições de construção em Reserva Ecológica e Reserva Agrícola Nacional. Resta saber se os incêndios rurais têm o mesmo cuidado, num país onde a dispersão dos edifícios é dos maiores desafios para os bombeiros.

Que o apetite pela habitação cria novas necessidades, restam poucas dúvidas. As cidades podem, e irão continuar a crescer, especialmente se houver resposta a vários constrangimentos, da carga fiscal aos custos da construção. Já o enfraquecimento do controlo da expansão urbanística pode ser receita para regressar aos excessos do passado, uma enorme desaprendizagem colectiva.

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