No Exodus Aveiro Fest, eles são testemunhas de um “mundo absurdo” — e trazem provas
Fotojornalistas e viajantes sentaram-se no Centro de Congressos de Aveiro antes de voltarem ao mundo. O Exodus teve aventura, natureza, jornalismo. “Quando as pessoas estiverem bem, tudo fica bem.”
Talvez a melhor forma de descrever uma viagem seja o que disse Eric Bouvet: “Por vezes damos por nós aqui e não sabemos muito bem como é que tudo aconteceu.” Claro que, no caso do fotojornalista francês, a viagem é o Afeganistão e o momento é um taliban a apontar uma arma a um rapaz com a cara escondida no chão empoeirado. Ele, ali e então, aponta a câmara, faz a fotografia, corre.
“Desculpem, é a única coisa que eu posso fazer. Quando comecei achei que uma imagem podia mudar o mundo. Claro que não! Agora sei que estou aqui como testemunha. Faço fotografia para o futuro.” Este é o papel de transmissor de Bouvet mas também o de Ricardo Garcia Vilanova, Marcel Mettelsiefen, Patrícia Melo Moreira e dos fotógrafos e documentaristas que partilharam histórias e imagens no Exodus Aveiro Fest, no último fim-de- semana de Novembro.
A 7.ª edição do festival internacional de fotografia e vídeo de viagem e aventura, de que o PÚBLICO é media partner, voltou a ser mais voltada para o fotojornalismo do que para a exploração curiosa e instantânea de um mundo em ebulição.
“Um mundo absurdo”, como Eric Bouvet (cinco prémios World Press Photo, dois Visa d’Or, rendido ao festival em Aveiro que o nomeou Personalidade do Ano e que não se cansou de elogiar) repete, enquanto mostra fotografias da Somália, da Síria, da covid-19, da Ucrânia, da Palestina.
Mas também um mundo de coincidências quase inacreditáveis, como os dípticos de imagens muito semelhantes de pessoas em situações diametralmente diferentes, similaridades que Bouvet reuniu ao longo de 43 anos de fotografia de guerra, paz, sexo, amor, caos (vai voltar a falar sobre tudo isto a 4 de Dezembro, na galeria Narrativa, em Lisboa, com entrada gratuita).
Ou como quando Martin Bissig termina a palestra sobre expedições com ciclistas de aventura no Paquistão, Himalaias e Kilimanjaro e um viajante português se levanta e lhe pergunta: “Lembras-te de mim?”. Beberam chá e partilharam biscoitos num abrigo a milhares de quilómetros do Centro de Congressos de Aveiro, voltam a encontrar-se ali, nenhum dos dois se tinha esquecido do outro. “Inacreditável”, repete Bissig.
É por momentos destes que vale a pena sair de casa, ainda que num mundo absurdo. Mesmo que seja cada vez mais difícil organizar momentos de partilha e inspiração, confessa Bernardo Conde, mentor do Exodus.
Ainda não há datas para 2025 do festival que continua agora em modo conversas de viagens e galeria fotográfica (do que acabámos de ver e não só) no Espaço Exodus, em Aveiro. Também não há tema para o festival que já percebeu que isto está tudo ligado. “De 2017 para este ano, o mundo mudou muito. Nós sentimos que as pessoas precisam de se conectar mais umas com as outras e essa tem sido a tónica das últimas duas edições. Então a dimensão humana entra em força”, reflecte Bernardo. “Quando as pessoas estiverem bem, tudo fica bem.”
No fotojornalismo o panorama também se alterou, reforça Ricardo Garcia Vilanova, admitindo sem grandes surpresas para os presentes que já não são os jornais a darem apoio logístico e financeiro aos fotojornalistas. Mensagem repetida até ao limite, orador atrás de orador: eles vão e fazem, depois logo se vê. “Agora a maioria dos freelancers vão aos sítios e depois tratam de vender as imagens. Tudo isto fica complicado porque trabalhar em contextos de guerra é muito caro”, explica, num festival que tenta também dar pistas e conselhos honestos a quem quer entrar no meio e onde oradores e público se misturam em conversas e trocas de experiências nos corredores e cafés.
As bolsas e patrocínios de empresas privadas são alternativas à falta de meios e aposta na reportagem dos jornais, conclui o fotojornalista catalão, que parte para a Síria na próxima semana. “Estamos a entrar num terreno escuro onde é cada vez mais difícil transmitirmos estas imagens”, alerta, num uníssono assíncrono com Patrícia de Melo Moreira. “Contar histórias, não apenas fotografar o momento”, é a frase que melhor resume o trabalho da fotojornalista portuguesa. Mantra levada ao limite por Jonas Bendiksen, que foi para um auditório repleto de questionadores apresentar The Book of Veles, um livro de imagens sintéticas geradas com computadores lançado como sendo documental. Demorou meses até o trabalho ser desmascarado.
Ouvir o fotógrafo norueguês – “100% de volta ao trabalho documental, juro!” – contar a história do embuste foi um dos momentos altos do Exodus 2024, mas este artigo explica tudo. “Como criamos confiança? Acho que isto é um problema que vai muito além da fotografia”, alertou. “Temos de nos educar e temos de exigir mais contexto da informação que consumimos. Informação sem contexto não é informação.”