Selma Uamusse no CCB: “O que nos une é a música e a esperança, não o medo e a violência”

A cantora aproveitou a “carta branca” do CCB para, com 80 pessoas em palco, aliar a celebração da liberdade ao empenho colectivo num Portugal melhor. Esta sexta-feira, às 20h.

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Selma Uamusse no Festival Mimo, em Amarante Paulo Pimenta
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“Uma loucura.” É assim que a cantora e compositora moçambicana Selma Uamusse descreve ao PÚBLICO a montagem do espectáculo que criou para o CCB, em Lisboa, e que se estreará esta sexta-feira, às 20h. Nasceu de um convite com “carta branca” e, em palco, além de Selma e dos músicos que habitualmente a acompanham (Augusto Macedo, Gonçalo Santuns, Nataniel Melo, Milton Gulli) estarão as cantoras Bárbara Wahnon, Nayr Faquirá, Ola Mekelburg, Yeni & Yeri Varela (irmãs gémeas) e A Garota Não, a Orquestra Geração (na sua formação municipal, com 60 elementos) e o quarteto de cordas Active Mess (Edvânia Moreno, Jacqueline Monteiro, Lívia Mendes e Mariana Santos). A encenação é do músico e artista plástico angolano Nástio Mosquito.

“Quando o Fernando Sampaio [programador do CCB] me fez este convite, a primeira ideia que lhe dei foi trazer de Moçambique a Orquestra Xiquitsi e juntá-la à Orquestra Geração”, recorda agora Selma ao PÚBLICO. “Porque são orquestras que trabalham com miúdos das periferias e através da música clássica acabam por ter um papel de aproximação e trabalho social. Estive um ano e meio a trabalhar nesse sentido, porque neste contexto dos 25 anos do 25 de Abril e dos futuros 50 anos das independências, numa altura em que se fala de restituição, etc., o que me parecia fazer sentido seria juntar jovens moçambicanos com jovens portugueses e que juntos pudéssemos escrever essa nova história.”

Trazer a Xiquitsi não foi possível, por razões logísticas e financeiras, mas o convite à Orquestra Geração manteve-se. “Até porque é uma orquestra cheia de pessoas que, sendo portuguesas, são afrodescendentes ou da comunidade cigana, e fazia sentido tê-la neste concerto.”

Ventos de mudança

No total, estarão umas 80 pessoas em palco, 60 das quais serão da orquestra. “O que significa criar um alinhamento a pensar nestes artistas todos, para que artisticamente todos pudessem estar presentes”, diz Selma. “Não quis que fosse Selma Uamusse & friends mas os friends e a Selma Uamusse. Este processo, de criar algo coeso com as agendas desta gente toda, deu-me imenso gozo e também muito trabalho. Para mim, que gosto de estar no controlo das coisas, está a ser um parto de quatro gémeos com fórceps. Mas vai funcionar muito bem e estou muito contente.”

O concerto terá diferentes momentos, sequenciais e complementares, explica Selma: “Vai haver um momento de destaque às vozes, outro de destaque ao quarteto de cordas, vai haver um momento meu com a minha banda com aquela energia que é muito nossa, e depois vamos ter a Orquestra Geração, A Garota Não e toda a gente. Tudo isto orquestrado não só pelos músicos mas também por duas pessoas com uma presença muito importante: a Teresa Samissone, estilista luso-moçambicana, que me veste, e o encenador, Nástio Mosquito, por quem tenho enorme admiração, e que criou uma espécie de útero onde todos nós estaremos em palco.”

Para quem já viu concertos dela, avisa Selma, é difícil resistir a usar da palavra: “Vou tentar não falar demasiado, espero que o espectáculo fale por si, mas como estamos num momento de conturbação política, a um nível mais global mas também local, no que diz respeito a estes últimos acontecimentos no Zambujal, quero acreditar que há ventos de mudança que estão a ser criados, independentemente de posições mais radicais de direita, mas acho que estamos num momento em que estamos a conseguir conversar, falar.”

E dá, como exemplo, a manifestação do passado dia 26 em Lisboa: “Alegra-me muito que na manifestação que houve pela Vida Justa se tenham juntado pessoas da direita e da esquerda e pessoas que estão a trabalhar para que os direitos humanos possam ser iguais e uma realidade para toda a gente. Neste contexto, e tendo como leit-motiv os 50 anos do 25 de Abril, gostava muito que pudéssemos olhar para estes jovens, estes artistas, de uma forma inspiradora, para que pudéssemos perceber que tudo o que nos separa é muito menor do que aquilo que nos une, que é a música, a esperança, o amor, o respeito mútuo e não o medo, o medo da diferença, a violência, o discurso não-inclusivo.”

A quem for nesta sexta-feira ao CCB (o espectáculo vai ser gravado pela RTP), Selma deixa este desejo: “Gostava muito que houvesse uma doce experiência de olhar, não só para as pessoas que estão naquele palco, mas também uns para os outros. E é isso que a nível da cenografia vamos tentar construir, para fazer com que as pessoas que estão a assistir sejam participantes também. Cheios de esperança e a trabalhar para podermos traçar um futuro diferente para Portugal.”

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