Ambiente de trabalho
Não, o trabalho híbrido não prejudica a empresa nem o desempenho do trabalhador
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Não, o trabalho híbrido não prejudica a empresa nem o desempenho do trabalhador. E assim acabo de violar, com uma só frase, duas regras do Livro de Estilo do PÚBLICO: repetir o título no início do texto (ponto 1, alínea c); e começar o texto com uma negativa (ponto 2, alínea c).
Mas este é daqueles casos que exigem veemência – mais do que cumprir a regra. Porque parece que já toda a gente esqueceu que, depois da pandemia, era suposto vivermos e trabalharmos num contexto diferente, no "novo normal".
Lembram-se? E lembram-se como o "novo normal" não morreu logo com o desconfinamento, mas começou a definhar precisamente aí? E como as exéquias dessa aspiração enterrou também aquela que parecia ser a "grande ideia" para o futuro das empresas, o teletrabalho, essa coisa que sempre se praticou mas que foi, de alguma forma reinventada, ajudando a salvar as economias?
A memória da humanidade é um bastião de ingratidão. Nem esse contributo salvífico foi suficiente para prolongar a adesão de milhares de empresas ao regime do trabalho à distância. Terminada a fase aguda da covid-19, o melhor que se conseguiu foi manter o regime híbrido. Uns dias em casa, outros na empresa. Mas em 2024, até isso já está em risco. Sem razão. E quem pensa o contrário deveria ler atentamente o estudo Hybrid working from home improves retention without damaging performance, publicado na revista Nature em Junho deste ano.
Nicholas Bloom é um três autores do referido estudo, cujo título em inglês diz logo ao que vem, apontando directamente para a conclusão: o trabalho híbrido a partir de casa melhora a retenção dos trabalhadores sem prejudicar o desempenho. Bloom é um cientista que dispensa apresentações. A página que lhe dedicam na Wikipedia é fácil de ler e resume muito bem a sua relevância académica e científica. Lembro-me de o ver em Setembro de 2022, em Lisboa, por vídeo, a participar na conferência sobre o desafio da produtividade na economia portuguesa.
Logo na altura, apresentou dados do WFH Research sobre a adopção do teletrabalho, que é uma das suas áreas de investigação – a par do tema da produtividade e da inovação. Já na altura, mostrava como o número de dias trabalhados tinha passado de menos de 10% antes da pandemia para mais de 60% logo a seguir, e como, em pouco menos de oito meses, essa proporção se foi reduzindo rapidamente, aproximando-se da fasquia dos 30%, onde desde então parece ter estacionado.
Acontece que nos tempos mais recentes, grandes empresas muito mediáticas, como a Amazon, pôs fim ao regime híbrido, exigindo o regresso aos cinco dias de trabalho na empresa. Foi em Setembro. Toda a gente se lembra. Veio nas notícias. Em todo o lado. Pelo contrário, as conclusões de Bloom et al. caíram no vazio. Ou no esquecimento. É (também) por isso que lhe dedico a presente edição desta newsletter.
Como respeito o Livro de Estilo do PÚBLICO mais do que parecia até aqui, adianto as novidades primeiro, resumindo algumas conclusões obtidas a partir de um estudo que envolveu 1600 trabalhadores, divididos em dois grupos (um deles, de controlo), pertencentes a uma empresa que tem 40 mil funcionários em todo o mundo:
- A produtividade dos trabalhadores em regime híbrido aumentou 1%
- Os trabalhadores nesse regime deram melhor nota em critérios de medição como equilíbrio trabalho-casa, satisfação com o trabalho, satisfação com a vida e recomendação a um amigo
- O chamado atrito do trabalhador com a empresa foi 33% mais baixo no grupo de trabalho híbrido, que também demonstrou menor vontade de se despedir – o que pode poupar muito dinheiro às empresas
- O trabalho remoto também não teve efeitos significativos na evolução da carreira dos que ficaram em regime híbrido
- Quem estava em regime híbrido trabalhava até menos uma hora por dia em casa, mas compensava isso com horas a mais nos restantes dias em que estava na empresa ou até ao fim-de-semana
O estudo merece ser partilhado, lido, analisado, discutido, seja na versão integral que saiu na Nature seja na versão resumida, que a revista Harvard Business Review acaba de publicar esta semana.
Quem queira ficar por aqui, precisa pelo menos de conhecer os detalhes deste estudo, quanto mais não seja para reflectir de forma mais apropriada sobre eventuais limitações e possíveis consequências.
Bloom e companhia analisaram os efeitos do regime híbrido na empresa Trip.com, uma empresa de origem chinesa, sediada em Xangai.
O facto de ser chinesa (o que fez de certeza levantar o sobrolho a uns quantos leitores) não minimiza as conclusões. A Trip.com não é um antro de escravos mal pagos (o salário médio anual ronda os 60 mil dólares/ano). É uma multinacional de tecnologia com uma jornada de trabalho que dura, em média, 8,6 horas (muito perto portanto das 8 horas praticadas em boa parte do mundo ocidental, como EUA ou mesmo Portugal, se falarmos no sector privado). Um dos autores do estudo, James Liang, é co-fundador da Trip.com.
Cerca de 1600 funcionários que trabalham na China em áreas como marketing, contabilidade, departamento financeiro e engenharia voluntariaram-se para o estudo. Foram divididos em dois grupos, com base no dia de aniversário (par para um lado, ímpar para outro). O grupo de controlo trabalhou cinco dias por semana na empresa, o outro grupo só estava nos escritórios às segundas, terças e quintas.
Durante seis meses, foram recolhidos dados experimentais. A análise de desempenho abrangeu os dois anos seguintes, tendo-se concluído que os dois grupos "não mostraram diferenças em produtividade, avaliação de desempenho ou evolução na carreira (promoções)".
Antes da experiência, os gestores estimavam que o grupo de trabalho híbrido reduziria a sua produtividade em 2,6%. Após seis meses de experiência estimavam que, afinal, esse grupo aumentara a produtividade em 1%.
Mais satisfeitos, menos tendentes a despedirem-se, acabaram por poupar à empresa milhões de dólares, dizem Bloom e companhia. Porquê e como? Porque, de acordo com as estimativas da Society of Human Resource Management, um empregado que se despede custa à empresa "pelo menos 50% do seu salário anual". Este custo inclui direitos, novo processo de recrutamento, formação, perdas momentâneas decorrentes da ausência da pessoa que deixou de fazer a tarefa que exercia.
Três lições imediatas deste trabalho de investigação, que contraria de forma evidente, com dados, aquele argumento básico que assenta na importância do trabalho presencial por causa das ligações inter-pessoais que um ambiente de trabalho partilhado é capaz de proporcionar.
Lição 1: o regime híbrido funciona tanto melhor quanto melhor for a avaliação de desempenho.
Lição 2: num regime híbrido, é importante definir claramente quais são os dias em que se trabalha na empresa, coordenando calendários. Não há nada mais frustrante do que obrigarem-nos a ir para a empresa, para ter reuniões por videoconferência num ambiente vazio porque os restantes membros da equipa estão em trabalho remoto.
Lição 3: toda a administração tem de apoiar o regime híbrido. A melhor forma de minar uma decisão estratégica é transmitir à equipa que as lideranças não estão de acordo quanto ao rumo.
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