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AIMA completa um ano colecionando fracassos e vai parar no banco de réus
Agência para Integração, Migrações e Asilo substituiu Serviço de Estrangeiros e Fronteiras com a proposta de acolhimento e respeito aos imigrantes. Um ano depois, coleciona processos na Justiça.
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A psicóloga Ana Paula Machado, 42 anos, sempre acalentou o sonho de fazer um doutorado na sua área em Portugal. Tão logo pôde transformar esse desejo em realidade, procurou um consulado português no Brasil para obter o visto que lhe permitisse a entrada legal em território luso. Não queria, de forma alguma, problemas quando desembarcasse no aeroporto. Foram 40 dias de espera para, enfim, poder cruzar o Atlântico. Detalhe, já no documento emitido pelo consulado, havia o agendamento para que pudesse ser atendida pelo órgão responsável pela imigração, que lhe concederia a autorização de residência.
Feliz da vida, Ana Paula aguardou ansiosamente o dia do agendamento. Curiosamente, ela seria a terceira pessoa atendida no primeiro dia da transição do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), extinto por lei, para a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Era 30 de outubro de 2023. Como esperado e desejado pela brasileira, tudo correu bem. Documentos entregues, a promessa foi de que o cartão da autorização de residência chegaria em questão de dias no endereço indicado por ela. Completado um ano de vida da AIMA, Ana Paula continua aguardando o tal cartão.
“Por conta dessa demora inaceitável, perdi várias oportunidades de emprego. Isso porque saí do Brasil com tudo certinho, com visto de estudante de doutorado de dois anos”, conta a gaúcha de Cruz Alta. Preocupada com o atraso da AIMA, ela foi à agência na qual tinha sido atendida mais quatro vezes. O máximo que conseguiu obter de informação foi que o processo dela estava em análise. “Também enviei várias mensagens, mas nenhuma foi respondida”, diz. Cansada de tanta espera e de tanto descaso, Ana recorreu à Justiça em setembro último. No início de outubro, o juiz encarregado do processo intimou a AIMA a dar explicações. “Mas o máximo que a AIMA informou foi que meu caso estava em análise”, acrescenta.
Felizmente, Ana conseguiu um trabalho, mesmo sem cartão referente à autorização de residência em Portugal. Ela está trabalhando em uma agência de acolhimento de imigrantes refugiados no Alentejo. “Quando relatei o quanto estava sendo prejudicada pela demora da AIMA, aceitaram me contratar. Mas essa espera pela documentação é muito ruim”, ressalta. A instituição para a qual a brasileira entrou tem o apoio da AIMA. Ana está entre os cerca de 400 mil imigrantes com processos pendentes na agência.
Show de descaso
À época da criação de AIMA, muitas pessoas viram a agência como avanço em relação ao SEF, que acumulava problemas e desgaste na imagem, sobretudo, depois da morte de um cidadão ucraniano, Ihor Homeniuk, em março de 2020, dentro das instalações do órgão no aeroporto. “Quando a AIMA nasceu, houve uma expectativa de que os problemas observados no SEF seriam superados, mas, sem investimentos em tecnologia e pessoal, o que se observa é que pouca coisa realmente avançou”, diz Fábio Knauer, CEO da consultoria Aliança Portuguesa. “Vejo até uma boa vontade do atual Governo em tentar resolver os problemas da AIMA, porém, falta um certo entendimento do que precisa ser feito”, assinala.
Para ele, dada a situação atual em que as pendências se acumulam, que mesmo pessoas com vistos e agendamentos garantidos não conseguem solucionar os problemas, fica difícil acreditar que o Governo conseguirá cumprir o prazo de 30 de junho de 2025 para zerar o estoque de pendências da AIMA. “É difícil acreditar nesse prazo”, enfatiza. O Governo, no entanto, assegura que, com os 15 novos centros de atendimento da AIMA — ainda faltam ser abertos os do Porto e de Braga —, os processos encalhados ganharão agilidade. Há, ainda, o discurso de que os processos sem solução não chegam aos 400 mil processos alardeados, pois muitas pessoas teriam desistido dos pedidos de legalização por uma série de motivos.
Na opinião da advogada Tatiana Kazan, é possível dizer que a AIMA, hoje, está pior do que o SEF. “Não há dúvidas de que o projeto que deu origem à AIMA é bonito, fala em integração, em acolhimento. Mas a realidade é exatamente outra. O que vemos é uma agência que não respeita os direitos dos imigrantes e não tem a mínima transparência”, diz. “Ninguém consegue marcar atendimento. Não há, nas agências, funcionários para fazer a triagem dos documentos, como ocorria no SEF, o que facilitava muito a vida de quem seria atendido”, complementa. “O que assistimos neste momento é um quadro de desrespeito, agravado com o fim da Manifestação de Interesse da noite para o dia.”
Segundo Tatiana, diante de um cenário caótico, a única saída que restou aos imigrantes que se sentem prejudicados foi recorrer à Justiça. Contudo, os processos se acumularam de uma tal forma, que já se fala em risco de colapso do Tribunal Administrativo Fiscal, no qual se concentram as ações contra a AIMA. “É triste ver essa situação toda, pois muita gente está sofrendo, famílias inteiras enfrentando dificuldades porque não conseguem obter a documentação que lhes permita ter acesso a coisas básicas, como saúde e educação”, frisa. Procurada, a AIMA não se manifestou.