Eles separaram-se — mas partilham a guarda dos cães e dos gatos

Separam-se, mas ficam amigos pelo bem-estar dos animais. O cão de Carolina e Sérgio vive entre Lisboa e Porto, e a gata de Miriam recebe visitas da dona em casa do ex-namorado.

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Eles separaram-se — mas partilham a guarda dos cães e dos gatos Nelson Garrido
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Eles separaram-se — mas partilham a guarda dos cães e dos gatos Sérgio Esperancinha
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Carolina Enes e Sérgio Esperancinha já tinham falado sobre a possibilidade de adoptarem um cão: ambos tinham vontade de dar esse passo. Acabou por acontecer em 2018, quando um lhes apareceu praticamente à porta. O cão foi encontrado por uma amiga, desorientado, na zona da circunvalação, no Porto. A sua história não era feliz: já tinha sido adoptado, mas a tutora não estava interessada em ficar com ele. Foi aí que entraram em cena.

“Podíamos ter feito queixa, porque o abandono dos animais é ilegal, mas depois a pessoa podia dizer que ficava com o cão e abandoná-lo outra vez ou maltratá-lo. Decidimos combinar encontrar-nos no veterinário e trocar a propriedade do microchip”, recorda ao P3 Carolina Enes.

Aproveitaram e alteraram também o nome: decidiram que o cão tinha ar de Tony Silva (uma das personagens de Herman José no programa Tal Canal) e levaram-no para Lisboa, onde viviam. Um ano depois separaram-se, mas decidiram que iriam partilhar a custódia do animal. “Para nós não havia outra alternativa. Não íamos abdicar dele, adoptámos o Tony em conjunto, adoramo-lo e ele adora-nos. Ficámos amigos e decidimos que a vida a partir daquele momento seria assim”, explica a tutora de 41 anos.

Tal como a guarda partilhada de uma criança, alternam as semanas de Tony na casa de cada um. E mesmo agora, com Carolina a viver no Porto e Sérgio em Lisboa, continuam a fazê-lo. Segundo a dona, o cão vem quase todos os meses à Invicta. Às vezes, é Sérgio quem o traz de carro e outras vezes é Carolina que o vai buscar à capital de comboio e apanha boleia de amigos até casa. No entanto, os agora amigos não têm uma frequência estipulada sobre o número de semanas em que cada um fica com o animal.

Carolina Enes com o cão Tony Nelson Garrido
Tony foi abandonado na rua pela anterior tutora Nelson Garrido
O ex-casal adoptou-o e quando se separou decidiu que Tony viveria nas duas casas Nelson Garrido
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Carolina Enes com o cão Tony Nelson Garrido

Sérgio diz que não custa deixar Tony noutra casa, mas admite que as saudades apertam quando passa uns dias sem ele.

“O Tony é o meu primeiro cão. Era um sonho que tinha desde criança e é sempre estranho voltar a casa e não o ver. Aliás, a minha namorada também sente falta dele e aceitou bem esta guarda partilhada e amizade que tenho com a Carolina. Vivemos os três juntos, ou seja, eu, a minha namorada e o Tony. Não sou assim tão moderno [para viver com a ex-namorada]”, brinca, acrescentando que já completou 41 anos.

“Há casais que não se separam por causa dos animais”

Em declarações ao P3, Diogo Trabulo, jurista mais do que habituado a lidar com casos de custódia partilhada dos animais em casos de divórcio e separações, diz que não é assim tão raro um ex-casal dividir o tempo que passa com um cão ou um gato.

Desde 2017 que os cães e os gatos deixaram de ser considerados coisas ou propriedade de um casal perante a lei. Assim sendo, quando o divórcio é de mútuo consentimento, a maioria dos ex-casais que conheceu optou por fazer um acordo sobre o animal longe dos tribunais ou da conservatória do registo civil. Quando a separação não é amigável, cabe ao juiz decidir em tribunal tudo o que diz respeito ao animal, desde a titularidade ao pagamento das despesas veterinárias.

“Pensão de alimentos propriamente dita não existe. Mas o juiz pode determinar que a pessoa que não fica com o animal tem de dar um valor por mês à outra para pagar as despesas dele”, esclarece o jurista.

Mas há mais: segundo Diogo Trabulo, há cada vez mais ex-casais que continuam a viver na mesma casa em prol do bem-estar do cão ou do gato. “Ter um animal é uma grande responsabilidade e traz despesas. É precisamente pela questão financeira que muita gente acaba por não se separar. Tal como acontece quando há filhos envolvidos, há casais que não se separam por causa dos animais. Não se querem separar dos animais e, quando há mais do que um, não querem separar os animais”, explica.

Por outro lado, continua, também acontece que nenhum dos dois queira ficar com o animal de companhia. “Como não existe uma averiguação por parte do tribunal ou da conservatória, há muitas pessoas que não dizem que têm animais quando se separam e devolvem-nos às associações. Não dizem em tribunal que não querem ficar com o animal, porque o abandono é crime.”

Os tutores de Tony Silva fazem de tudo para manter os hábitos e cheiros a que o animal está habituado, mesmo que estejam a viver em casas e cidades diferentes. É por isso que andam sempre com uma mochila com alguns dos brinquedos do cão, a manta favorita, a coleira, a trela, escova de dentes e até a cama onde dorme entre Lisboa e Porto. Há latas de ração que cheguem nas duas casas, mas as despesas veterinárias são pagas em conjunto.

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Carolina e Sérgio andam sempre com os brinquedos e objectos do cão Tony Nelson Garrido
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Nelson Garrido

“É como se fosse uma criança”, afirma Sérgio, ainda que na verdade Tony esteja prestes a tornar-se num cão sénior, a completar oito ou nove anos.

Visitas à casa do ex

Miriam Ernst, 29 anos, e actualmente a viver em Viena, também se viu numa encruzilhada quando a sua anterior relação terminou passados três anos: o que fazer com a gata que adoptou com o ex-namorado?

Neste caso, o acordo entre os dois ditou que Lilith ficaria melhor na casa onde já vivia com o dono, desde que Miriam pudesse visitá-la sempre que quisesse.

Miriam e a gata Lilith Miriam Ernst
Lilith vive com o ex-companheiro de Miriam Miriam Ernst
A tutora visita-a todas as semanas Miriam Ernst
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Miriam e a gata Lilith Miriam Ernst

“Sabia que ele não iria suportar ficar sem a gata. Foi uma decisão difícil para mim, mas estou com ela uma ou duas vezes por semana, quando fico em teletrabalho. Tenho a chave do apartamento dele, mas claro que evito que nos encontremos, porque ainda é uma situação estranha”, adianta Miriam, alemã que trabalha em vendas.

Diz que da relação anterior ficou uma amizade e que, quando o ex-companheiro vai de férias, Lilith fica em casa da dona e do actual namorado. “Ele aceitou esta situação da gata muito bem e confesso que até fiquei surpreendida. Aceitou sermos amigos, eu ir a casa dele e continuar a ter a chave. E gosta da Lilith, o que também é importante.”

Separar animais, quando há mais do que um

Não é certamente o veredicto que os donos de animais de companhia gostam de ouvir, mas há juízes que decidem desta forma em processos de divórcio, adianta Diogo Trabulo. No caso mais recente que assistiu, o ex-casal tinha dois cães — e a decisão foi separá-los.

“A meu ver, isto não é bom para ninguém, principalmente para os animais. O que se tem de ter em consideração é o bem-estar das espécies e não o facto de o registo estar em nome de um dos elementos do casal.” O registo da gata Lilith, por exemplo, está em nome de Miriam e não foi isso que ditou que viveria com a tutora.

Carolina, a dona de Tony Silva, adoptou recentemente dois gatos, Nelito e Esteves, que, esclarece em tom de brincadeira, não partilha com Sérgio. Os animais davam-se bem até Junho, quando os felinos decidiram que o cão já não era bem-vindo em casa.

“Agora estou em processo de aconselhamento com um veterinário de comportamento animal para ver se voltam a dar-se bem”, esclarece. Sérgio também faz parte deste processo.

“Os gatos são mais snobs e não acham tanta piada quando o Tony chega. Temos tentado que fique mais tempo com a Carolina, a relação voltar ao que era”, acrescenta o tutor do cão.

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Tony tem entre oito e nove anos Sérgio Esperancinha

O ideal, defendem, seria voltarem todos a viver na mesma cidade. E, de preferência, no Porto.

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