Lisboa e, arrisco-me a dizer, muitas outras zonas do país entenderam que a criação de contentores (e vá, alguma tecnologia de informação geográfica a respeito dos ditos) é onde o desenvolvimento face à gestão de lixo atinge ao seu apogeu. Chegámos ao ponto em que Nova Iorque com a sua “revolução do lixo” (pôs contentores na rua, até então o lixo era simplesmente deixado dentro de sacos na rua) conseguiu quase apanhar a cidade que já o faz há largos anos. Tanto tempo se passou e os contentores continuam com praticamente as mesmas dinâmicas.
Na cidade dos unicórnios, as residências dos seus tratadores implica a coexistência com três habitantes extra de plástico: um de tampa azul, outro de tampa amarela, e outro de tampa cinzenta ou castanha. Felizmente para os condóminos, o seu primo de cor verde não cabe: é mais volumoso, fica pesado e faz muito barulho. Todos os residentes são obrigados a conviver com este trio e a tratá-lo com carinho.
Levá-los à vez a passear à rua em horários designados para as suas lavagens gástricas é parte do fardo, tal não é a velhice evidente pela sua falta de autonomia e muitas vezes pelo seu aspeto. Por vezes, ficam cheios antes de tempo, e os seus cuidadores têm de ir encher a barriga dos vizinhos, caso ainda haja espaço. Caso contrário, deixa-se ao lado um nada pitoresco caos de sacos. Em todos estes casos, a sua presença é sempre notada nos prédios, dada a sessão diária de apneia que os residentes têm de fazer ao sair na porta da rua.
Ainda que o cidadão deva obviamente contribuir para a gestão de lixo de uma cidade, é insólito que seja tão fulcral para que tudo funcione. Muitas vezes a gestão de lixo é rotativa, sendo gerida pelos condóminos com folhinhas que designam quem tem o fardo de levar os contentores à rua (como se nos faltassem mais horários na vida). Isto chega ao ponto de calhar aos velhinhos reais que levem os velhinhos de plástico à rua, nas suas rodinhas muito pouco manobráveis em zonas que muitas vezes têm degraus. A boa vizinhança é quem acaba a salvar os prédios de um desastre pouco higiénico.
Por mais estranho que pareça, existem mais tipos de contentores importantes num país desenvolvido. Pergunto ao leitor: sabe onde é o pilhão mais próximo da sua residência? Alguns até podem saber, porém tiveram um dia de procurar a localização num site, tal não era a falta de evidência e, provavelmente como eu, ficaram um bocado aborrecidos com a caminhada que teriam de fazer para dar um destino final a objetos que cabem no bolso das calças.
E oleões? Para os que não estão a par, os oleões existem e servem para reciclar óleos alimentares usados, que muitas vezes ou acabariam no lixo orgânico, no plástico ou nos canos. Fui verificar hoje: no sistema de informação geográfica da câmara municipal de Lisboa, é-me destacado um único oleão a quase 1 quilómetro da minha residência. No Google Maps a informação não é coerente: dá-me mais opções, apesar de serem todas longínquas. A cidade dos 15 minutos exige pelo menos dois destes para um cidadão reciclar óleos alimentares. Haverá sítios no país com muito menos recursos que nem terão tais tecnologias para informar os seus habitantes.
A realidade é esta: ou os contentores estão demasiado perto, ou demasiado longe, ou faltam, ou estão a monte nas ruas, maculando a visão. Há bairros servidos de caixotes encastrados no chão ou de grandes dimensões à superfície na rua, ou até outras mordomias, onde a contribuição do cidadão acaba quando prime o pedal e atira o saco. Há outros onde o cidadão tem de abrir a tampa com a mão, gerir os dias certos de cada tipo de lixo e mover todos os dias o contentor para garantir que o prédio não cheira mal e não aparecem pragas.
Urge haver um estudo profundo de como resolver, não passando pelo penso rápido de mais caixotes e mais camiões, mas sim uma revisão de como gerimos todo o lixo e dos sistemas presentes para nos desfazemos dele. É urgente incorporar mais tecnologia e uma visão mais inteligente no processo, de modo a retirar o cidadão como ponto tão central ao sucesso da recolha de lixo. Os recursos não são infinitos, mas existe uma evidente falta de engenho na procura de soluções que se assemelhem às de uma cidade do futuro.
A gestão do lixo está envelhecida, está na hora de mandar ao lixo o plano antigo e começar a pensar na sua reforma.