Quarta noite de tumultos fez 18 incêndios e o apedrejamento de um autocarro e dois carros da polícia
Novo ponto de situação fala de 18 incêndios em Lisboa. Autocarro e dois carros da polícia foram apedrejados, mas não houve feridos. Uma esquadra foi atacada com o arremesso de um engenho pirotécnico.
Um autocarro da Carris foi esta noite apedrejado no Bairro da Boavista, na freguesia de Benfica, sem causar feridos mas deixando danos materiais no veículo, avançou à Lusa fonte oficial da PSP, que reforçou o dispositivo policial em Lisboa e na área metropolitana. A informação foi entretanto confirmada pela Polícia de Segurança Pública (PSP) — que, num ponto de situação emitido esta manhã, também refere o apedrejamento de duas viaturas policiais e contabiliza 18 ocorrências de incêndio na noite passada em Lisboa.
O porta-voz da PSP, subintendente Sérgio Soares, já tinha adiantado na noite passada que um grupo de pessoas atirou"pedras contra um autocarro que passou, provocando alguns danos" junto ao Bairro da Boavista, concelho de Lisboa, separado do Bairro do Zambujal, no município da Amadora, pela CRIL - Circular Regional Interna de Lisboa (IC17).
Perante os distúrbios que têm pautado as noites na Área Metropolitana de Lisboa na última semana, as autoridades montaram um reforço operacional no bairro do Zambujal, onde desde segunda-feira têm ocorrido actos de vandalismo em retaliação pela morte de um morador do bairro, no vizinho Cova da Moura, baleado por um agente da PSP. Registou-se uma tentativa de apedrejamento de agentes da PSP na Amadora esta noite, mas o caso não resultou em feridos.
Além dos apedrejamentos ao autocarro e aos veículos da polícia, a PSP também registou dois rebentamentos de petardos, o arremesso de um engenho pirotécnico para o interior de uma esquadra da PSP e outros actos considerados vandalismo, como a criação ilegal de graffiti. No total, foram 18 as ocorrências de incêndio em mobiliário urbano (maioritariamente caixotes do lixo) na Área Metropolitana de Lisboa, designadamente nos concelhos de Almada, Amadora, Seixal, Setúbal e Sintra. Também se registou um incêndio num ecoponto na cidade de Leiria.
Dispositivo "musculado" na Cova da Moura
Além do Bairro da Cova da Moura, a PSP reforçou o patrulhamento nos bairros de Santa Filomena e Casal da Mira, onde na quarta-feira arderam vários caixotes do lixo, e no centro de Lisboa também foi mobilizado "um dispositivo mais musculado", com o Corpo de Intervenção, para o Marquês de Pombal, Avenida da Liberdade, Praça dos Restauradores e Rossio, devido a possíveis desordens.
No posto de combustível da Repsol da Segunda Circular, no sentido de Pina Manique, a Lusa constatou que a PSP montou um forte dispositivo da Divisão de Trânsito, apoiado pela esquadra da 3.ª Divisão e elementos de Investigação Criminal (Benfica).
Um grupo de cerca de meia dúzia de motards tentou fugir da bomba de combustível, saltando pelo passeio para a Rua Dr. João Couto, e três foram barrados pelos agentes, enquanto os restantes conseguiram escapar, tendo sido apreendidas várias motos. "Temos um reforço de policiamento na Área Metropolitana de Lisboa [AML], nos vários concelhos, desde Lisboa, Oeiras, Cascais Odivelas, Sintra, Amadora e Loures, e na margem sul, em Almada, Barreiro, Seixal e Setúbal", explicou o porta-voz da PSP.
No novo ponto de situação, a polícia alertou que as partilhas nas redes sociais a incitar ao ódio e à violência "configuram ilícitos criminais" e, por isso, estão a ser recolhidos pelas forças de segurança para serem enviadas para o Ministério Público. "Quem cometer actos desta natureza poderá ser responsabilizado criminalmente", avisa o novo comunicado da PSP.
Contentores de lixo incendiados
A página da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC) já tinha a indicação de que tinha havido incêndios em ecopontos e contentores de resíduos em Odivelas, Sintra (União das Freguesias de Sintra e Algueirão-Mem Martins) e em Torres Vedras (São Pedro e Santiago, S. Maria e S. Miguel e Matacães).
Pelo menos nove ecopontos/contentores de lixo foram incendiados nos concelhos de Setúbal, Almada e Seixal, informou o Comando Sub-regional de Emergência e Protecção Civil da Península de Setúbal. Segundo a mesma fonte, foram detectados vários ecopontos a arder no Laranjeiro, em Almada, na Amora, no Seixal, e nas zonas de São Sebastião e da Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra, no concelho de Setúbal.
A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação "séria a isenta" para apurar "todas as responsabilidades", considerando que está em causa "uma cultura de impunidade" nas polícias. A Inspecção-Geral da Administração Interna e a PSP abriram inquéritos e o agente que baleou o homem foi constituído arguido.
Desde a noite de segunda-feira registaram-se desacatos no Zambujal e, desde terça-feira, noutros bairros da AML, onde foram queimados autocarros, automóveis e caixotes do lixo. Mais de uma dezena de pessoas foram detidas, o motorista de um autocarro sofreu queimaduras graves e dois polícias receberam tratamento hospitalar, havendo ainda alguns cidadãos feridos sem gravidade.
Visita de Marcelo a bairros seria "prematuro"
Questionado pelos jornalistas sobre uma visita aos bairros onde se têm verificado distúrbios desde o início da semana, o Presidente da República considerou que isso seria "prematuro" e que as forças de segurança "não aconselham que isso se fizesse neste momento". "Vale a pena esperar uns dois ou três dias pela semana que vem", considerou, apesar de ainda ter ponderado visitar os locais na noite passada ou nos próximos dias.
Marcelo Rebelo de Sousa quer dar primazia ao Governo numa eventual visita aos bairros e entende que "é importante ter a noção exacta da sucessão de acontecimentos", sublinhando que a tensão das noites passadas "aconteceu em dois municípios, mas houve afloramentos noutros". Por isso, "pensei não visitar os bairros, porque é prematuro, mas estar nos municípios afectados", admitiu.
Falando à margem de uma visita ao Museu do Design, em Lisboa, o chefe de Estado considerou "legítimo", embora não queira participar nele, o debate político em torno destes desacatos e do caso que lhes deu origem: "Os protagonistas políticos têm direito a dizer: 'Isto é negativo", 'isto é positivo', 'eu penso isto', 'eu penso aquilo'. Eu manifesto-me num sentido, manifesto-me noutro sentido. É a democracia", defendeu.