Leia um excerto de Patriota, o livro de memórias de Alexei Navalny

Este livro de memórias do político e activista russo Alexei Navalny foi parcialmente escrito na prisão, onde o opositor de Putin morreu a 16 de Fevereiro deste ano.

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Este livro de memórias de Alexei Navalny está a ser publicado em vários países em simultâneo TOLGA AKMEN / EPA
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2022

17 DE JANEIRO

Faz hoje exatamente um ano que regressei a casa, à Rússia.

Não consegui dar um único passo no solo do meu país como um homem livre: fui preso ainda antes do controlo fronteiriço.

O herói de um dos meus livros favoritos, Ressurreição, de Lev Tolstói, afirma: «Sim, presentemente na Rússia o único local adequado para um homem honesto é a prisão.»

Soa muito bem, mas era errado então e é ainda mais errado agora.

Há muitas pessoas honestas na Rússia – dezenas de milhões. São muitas mais do que vulgarmente se acredita.

As autoridades, porém, que eram repugnantes então e agora o são mais ainda, não têm medo das pessoas honestas, mas das que não têm medo deles. Ou permitam-me ser mais preciso: das que podem ter medo, mas superam o seu receio.

Também existem muitas dessas. Estamos sempre a encontrá-las nos mais variados sítios, dos comícios aos órgãos de comunicação, pessoas que continuam a ser independentes. Na verdade, até aqui, no Instagram. Li recentemente que o Ministério do Interior andava a despedir o pessoal que tinha «gostado» das minhas publicações. Portanto, na Rússia em 2022 até para um «gosto» é preciso coragem.

Em cada período, a essência da política tem sido que um czar de pacotilha que pretenda arrogar-se o direito a um poder pessoal inimputável precisa de intimidar as pessoas honestas que não têm medo dele. E estas, por seu turno, precisam de convencer todos os que as rodeiam de que não devem ter medo, de que são, em várias ordens de grandeza, gente mais honesta do que os mesquinhos guardas da segurança do czar. Para quê vivermos toda a nossa vida no medo, e sermos até roubados durante esse processo, se tudo se pode arranjar de uma maneira diferente e mais justa?

O pêndulo balouça sem parar. Ou o jogo da corda. Hoje somos valentes. Amanhã eles parecem ter-nos assustado um pouco. E depois de amanhã assustaram-nos tanto que desesperamos e voltamos a ser valentes.

Não faço ideia de quando é que a minha viagem para o espaço irá terminar, caso alguma vez termine, mas na sexta-feira fui informado de que está em curso mais um processo-crime contra mim e vou a tribunal. E ainda há outro que aí vem, no qual sou supostamente um extremista e um terrorista. Portanto, sou um daqueles cosmonautas que não contam os dias até ao fim da sua pena. O que há para contar? Temos pessoas que foram mantidas na prisão durante vinte e sete anos.

Mas encontro-me nesta companhia de cosmonautas precisamente porque tentei ao máximo puxar a minha ponta da corda. Puxei para este lado os que estavam entre as pessoas honestas que já não queriam ou não conseguiam suportar ter medo.

Foi isso que fiz. Nem por um segundo me arrependo disso. E irei continuar a fazê-lo.

Tendo passado o meu primeiro ano na prisão, quero dizer a todos exatamente o mesmo que gritei aos que se reuniram à porta do tribunal enquanto era levado pelos guardas para a carrinha celular. Não tenham medo de nada. Este é o nosso país e é o único que temos.

A única coisa que devemos temer é a possibilidade de entregar a nossa pátria para que ela seja saqueada por uma quadrilha de mentirosos, gatunos e hipócritas. A possibilidade de entregar sem luta, voluntariamente, o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos.

Um enorme agradecimento a todos vós pelo vosso apoio. Consigo senti-lo.

Gostaria de acrescentar que, este ano, passou incrivelmente depressa. Parece que ainda ontem estava a embarcar no avião para Moscovo, e agora já completei um ano na prisão. É verdade o que dizem nos livros de ciência: na Terra e no espaço o tempo passa a diferentes velocidades.

Amo-vos a todos. Abraços para todos.

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