De corpo e alma, Marco Paulo estará sempre na história da música portuguesa

Com ou sem vergonhas, este foi o cantor que atingiu o “disco de diamante” por vendas de um milhão e meio de cópias.

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A morte de Marco Paulo era uma notícia infelizmente já receada há algum tempo. Um dos mais populares cantores portugueses dos últimos sessenta anos, soube lutar publicamente de forma digna contra uma doença que há muito lhe tinha sido diagnosticada e que ele foi conseguindo vencer de diversas maneiras – até já não ser mais possível. E para Marco Paulo quase tudo foi possível, desde vender milhões de discos até tocar de forma profunda e com um impacto quase religioso o coração de tantas admiradoras e admiradores. Mas o seu percurso não foi seguramente consensual em termos de grande recepção, desde logo porque o facto de se inserir no panorama da canção ligeira sempre lhe trouxe muitos olhares sobranceiros.

Marco Paulo começou a sua carreira pública em meados da década de 60, estreando-se em disco em 1966 na casa Valentim de Carvalho –​ com a qual assina contrato com o objectivo confesso por parte da editora de procurar um cantor que substituísse no seu catálogo o lugar deixado vago por António Calvário. Missão “espinhosa”, até porque estávamos a falar de alguém com carreira desde o final da década anterior e que, entre outros méritos, tinha vencido o primeiro Festival RTP da Canção, em 1964. Assim, nada mais natural do que vermos Marco Paulo como concorrente no Festival de 1967, com Sou tão feliz (com letra do poeta António Sousa Freitas e música do maestro Nóbrega e Sousa). Mas a felicidade não lhe sorriria e o cantor classifica-se em 6.º e último lugar da final, que foi ganha por Eduardo Nascimento com O vento mudou.

Segue-se uma caminhada lenta até ao enorme sucesso que começa a chegar no final dos anos 70, destacando-se desde logo o single com Canção proibida e Ninguém, ninguém (1978). A partir desse momento, o percurso artístico de Marco Paulo é único, preenchendo a década de 80 de uma forma indelével e chegando sempre a todos os públicos – mesmo àqueles que confessadamente não o ouviam. Era impossível escapar a esta grande popularidade e às suas imagens de marca, com os caracóis e a passagem do microfone de uma mão para outra. Ele estava em todo o lado e as suas canções eram agora ouvidas de forma descomplexada quer pelo público que se tinha abeirado dele nos anos iniciais, quer pelas pessoas que o descobrem graças à grande divulgação que agora obtém.

Claro que um sucesso tão grande não poderia mesmo ser consensual. Era fácil reduzir a sua importância ao mercado supostamente menor da dita música ligeira e usar adjectivos como “piroso” ou “kitsch” para o classificar a ele e às suas canções. Mais difícil era estar preparado para constatar factos, como o de Marco Paulo ser o único nome vindo da canção ligeira da década de 60 a ter um sucesso crescente e a “explodir” comercialmente de forma tão maciça ao fim de década e meia de percurso; ou ainda o facto de muitos desses êxitos gigantes do cantor nos anos 80 serem versões de canções oriundas da Alemanha, da Grécia, do Japão ou do Reino Unido, mas que Marco Paulo tornaria muitas vezes ainda mais populares nas suas versões portuguesas.

Não se pense, no entanto, que os grandes nomes da canção portuguesa não escreveram para ele: basta chamar aqui António Avelar de Pinho, Fernando Guerra, Francisco Nicholson, Joaquim Pessoa, Jorge Costa Pinto, José Cid, Nuno Rodrigues ou Tozé Brito, entre outros, para perceber que o impacto de Marco Paulo foi sempre transversal. Com ou sem vergonhas, este foi o cantor que atingiu o “disco de diamante” por vendas de um milhão e meio de cópias – e, como chegou a dizer José Mário Branco na viragem dos anos 80 para 90, era mais importante que isto acontecesse com um cantor nacional do que com um estrangeiro. De corpo e alma, Marco Paulo permanecerá sempre na História da Música Portuguesa como uma das vozes mais queridas do grande público. E isso não é algo de somenos.

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