Brasileiros usam bancos digitais para abrir conta e garantir contratos de trabalho

Instituições financeiras digitais, com a Nickel, aceitam a abertura de conta-corrente apenas com passaporte válido, o que facilita a vida de imigrantes sem a autorização de residência em Portugal.

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Bancos digitais facilitam a vida de imigrantes em Portugal: conta é aberta sem burocracia Miguel Manso
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Ser imigrante requer resiliência. Muitas vezes, nem mesmo abrir uma simples conta bancária é possível, devido ao excesso de burocracia imposto pelas instituições financeiras. Sem esse serviço, apontado como questão de cidadania pelo Banco Mundial, pessoas que escolheram outro país para viver ficam impossibilitadas de arrumar trabalho. Em Portugal, essa realidade começou a mudar nos últimos dois anos, com a chegada dos bancos digitais. Sem as exigências das instituições tradicionais, pedem apenas o passaporte, um comprovante de residência e o Número de Identificação Fiscal (NIF) para a abertura de uma conta-corrente.

Entre os estrangeiros que vivem em território luso, são os brasileiros que mais têm recorrido aos bancos digitais. “Como maior grupo de imigrantes vivendo no país, os brasileiros acabam se destacando entre nossos clientes”, diz o CEO da Nickel, João Guerra. A instituição, comparada às fintechs no Brasil, desembarcou em Portugal em 2022 com a missão de atender os rejeitados e aqueles que não querem mais arcar com os custos dos serviços cobrados pelo sistema financeiro tradicional.

“Enquanto os bancos do modelo tradicional cobram, em média, 100 euros (R$ 600) por ano só pela manutenção da conta, a nossa tarifa é de 20 euros (R$ 120). E oferecemos os mesmos serviços”, acrescenta o executivo. Ele ressalta que, a despeito do modelo totalmente digital, a Nickel não abriu mão de ter pontos físicos de atendimento à clientela. Nesses casos, porém, em vez de agências suntuosas, os clientes são atendidos em totens instalados em pontos comerciais, como padarias, tabacarias, pequenos mercados.

Há, segundo Guerra, uma parte da população, inclusive de imigrantes, que recebe salários em dinheiro e quer depositar os recursos em conta. “Essa relação com o dinheiro físico ainda é forte. Anos atrás, vários países da Europa decidiram digitalizar todas as operações financeiras, acabar com a circulação de papel-moeda. Mas não deu certo. A Noruega, por exemplo, voltou atrás. Na Itália, recentemente, o governo ampliou de 5 mil para 10 mil euros (R$ 30 mil para R$ 60 mil) o valor máximo para depósitos em banco”, ressalta.

Não se pode esquecer, ainda, na avaliação do CEO da Nickel, que há pessoas que não têm a literacia do digital, ou seja, não conseguem lidar com todos os avanços da tecnologia. “Por isso, decidimos ter esse braço físico. Em Portugal, já temos 650 pontos de atendimento. É mais do que o total de agências do maior banco português”, compara. No Brasil, essa rede de correspondentes bancários ganhou impulso com a introdução do Bolsa Família. Foi a forma encontrada pelo governo para fazer o benefício chegar aos lugares mais remotos do país.

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João Guerra, CEO da Nickel, afirma que a democratização do sistema financeiro é questão de cidadania Arquivo pessoal

Exemplo vem de casa

Guerra assinala que a fundação da Nickel tem a ver com a história de um de seus criadores, o argelino Ryad Boulanouar. Durante a Primavera Árabe, iniciada em dezembro de 2010, a família dele emigrou para a França. No novo país, o pai e a mãe de Boulanouar, que tinham uma boa situação financeira da Argélia, tentaram, de todas as formas, abrir uma conta em um banco, mas não conseguiram. Assim, tão logo ele se formou em tecnologia bancária numa das mais conceituadas universidades francesas, ele decidiu criar a própria instituição financeira. Era 2014 quando a Nickel surgiu.

“O fato de as pessoas terem uma conta bancária é o primeiro passo para a inclusão financeira e social”, afirma o executivo. “Com o Iban português, o número da conta local, as pessoas podem, além de ter um contrato de trabalho, alugar um imóvel, abrir um negócio ou mesmo fazer um financiamento”, lista. No caso de Portugal, é importante ressaltar que há, hoje, cerca de 400 mil imigrantes à espera da documentação oficial, pois a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) não consegue dar conta da demanda. Contudo, aqueles que tiverem passaportes válidos podem recorrer aos bancos digitais. “A percepção que temos hoje é de que o país está disposto a integrar essas pessoas, para que possam ter uma vida digna”, acrescenta.

Além de Portugal e França, onde nasceu, a Nickel está presente em outros três países: Espanha, Alemanha e Bélgica. São mais de 3 milhões de clientes, que podem fazer pagamentos e transferências digitalmente, mas têm à disposição 11 mil pontos de atendimento à disposição. “Se alguém estiver viajando por um desses países e quiser fazer um saque, basta ter em mãos o cartão da conta”, afirma Guerra.

Segundo ele, as contas podem ser abertas por meio do celular, do computador e nos correspondentes bancários. Depois de entregue os documentos exigidos, as contas e os cartões de débito são desbloqueados em 24 horas. Todas as operações em território português são supervisionadas pelo Banco de Portugal. O controle acionário da Nickel foi arrematado pelo Banco BNP Paribas em 2017 por 200 milhões de euros (R$ 1,2 bilhão).

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