Ambiente de trabalho
Navegar nas regras informais do mundo empresarial
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Caro leitor,
O título deste texto é da autoria de Manuela Doutel Haghighi. E foi o tema da apresentação que a actual directora global de customer experience da Microsoft fez na 12ª grande conferência de liderança feminina organizada pela Executiva, realizada na semana passada em Lisboa na Ordem dos Contabilistas Certificados.
A premissa de Manuela Doutel Haghighi – que trabalhou em sete países de três continentes em multinacionais da área tecnológica e regressou em 2021 a Portugal – assenta na ideia de que existem regras informais nas empresas que acabam por viciar a progressão nas carreiras, em indiscutível favorecimento dos homens.
O diagnóstico partilhado na apresentação é claro. Mas podia ser outro qualquer feito à medida da audiência, dado que os números vão geralmente todos no mesmo sentido: "Em 2021, 60% dos licenciados em Portugal eram mulheres, mas a taxa de feminização nos cargos de poder legislativo, executivo, dirigentes e directores, era de apenas 38%. E quanto mais qualificadas eram as mulheres, menos ganhavam que os homens", exemplificou Haghighi, para concluir que "quanto mais se sobe na carreira menos mulheres se encontra e maiores são os jogos de poder".
Este resultado, defende esta gestora, é fruto de uma cultura profundamente enraizada na sociedade, que se expressa de forma largamente cristalizada no mundo laboral.
Fazendo o seu próprio percurso e descrevendo as expectativas sociais que a acompanharam como acompanham a esmagadora maioria das mulheres, Manuela Haghighi ilustra que, quando nascem, as mulheres são desde cedo etiquetadas como "princesas", "fofinhas", "que obedecem às regras" desde os primeiros anos. Depois, nos recreios das escolas, "os rapazes ocupam o espaço central" e ficam todos a celebrar "o mais rápido e o mais forte". Mais tarde, quando se entra numa reunião de trabalho, "as mulheres vão sempre para a periferia" e os homens estão sempre no meio a ocupar mais espaço".
"Nós crescemos com isto", lamenta. E, na transposição destas identidades fabricadas para o mundo laboral, elenca dois conjuntos de regras, as que são esperadas que as mulheres cumpram, e as outras, as que depois são valorizadas informalmente por chefias na progressão de carreiras que se queiram ambiciosas e invariavelmente masculinas (entre parêntesis):
- Não fales com estranhos (fala com estranhos)
- Não sejas mal comportada (sê ousado)
- Não desobedeças (sê diferente)
- Não discutas (argumenta)
- Não sejas má aluna (deixa o perfeccionismo)
- Não sejas convencida (valoriza-te)
- Não arrisques (arrisca)
- Não brinques com coisas sérias (sê divertido)
- Não penses só em ti (pensa em ti)
- Não te metas em politiquices (observa os jogos políticos)
Neste contexto, "nós mulheres pensamos que nos falta algo e questionamo-nos por que raio não temos sucesso e progredimos como os homens?". Haghighi responde: "Não nos falta nada. Nós andamos anos a ouvir isto. Fomos educadas de uma maneira em contradição com aquilo que é expectável num mundo, citando Simone de Beauvoir, que 'foi construído pelos homens para os homens'".
Perante um cenário em que as regras do jogo estão assim viciadas, Haghighi ensaia um modelo comportamental para subverter esta teia aprisionadora a partir de dentro. Com seis capítulos. Auto-promoção. Networking. Arriscar. Negociar. Política. União.
Cada postulado surge, assim, como uma espécie de antídoto para lidar com as regras não escritas. Ao auto-promoverem-se, as mulheres assumem a ambição de chefiar, por exemplo. Para fazer networking, falam com estranhos, conhecem pessoas novas, aprendem. Por outro lado, podem olhar para o risco como uma oportunidade e não como uma ameaça. Na negociação, diz a gestora, "as mulheres usam a empatia, são muito boas em encontrar um compromisso, para que as duas partes fiquem satisfeitas". Jogar o jogo político pressupõe algum grau de estratégia, que atravessa toda a experiência de uma mulher desde o primeiro dia em que entra numa organização em busca da sua forma de afirmar o seu poder.
Mas todas estas etapas de afirmação, têm, segundo Manuela Doutel Haghighi, um preceito em comum: auto-confiança. Sem ela, fica muito pesada a tarefa revolucionária de equilibrar as condições de progressão nas carreiras que garantam que pelo mesmo trabalho as mulheres recebem o mesmo salário, que os cargos de direcção são paritários por competência, que as oportunidades existem em igual número para mulheres e homens. Sem essa auto-confiança, as mulheres dificilmente conseguirão acabar com este jogo viciado.
Manuela Doutel Haghighi esteve na criação do primeiro Women At Work da Microsoft Portugal, um laboratório de devolução do poder às mulheres que está a ser replicado noutras empresas. Mas a tarefa de equilibrar o terreno de jogo é, sobretudo, uma batalha individual, de cada mulher em cada interacção laboral. Que seria tão mais fácil e eficaz quanto maior fosse a participação dos homens. No entanto, neste aspecto, as mulheres terão mesmo de assumir que o privilégio de uma vida não se pede, tira-se.
Trabalho extra
No Japão, há empresas que ajudam trabalhadores a serem despedidos
A história é contada pelo The Guardian e é surpreendente. No Japão, há cada vez mais trabalhadores a recorrer a serviços de despedimento por procuração, por se sentirem incapazes de quebrar o laço que os liga à empresa.
O jornal britânico conta a história de uma trabalhadora que depois de dois meses a trabalhar num baco online decidiu que estava farta.
Incapaz de ganhar coragem para dizer ao chefe que queria demitir-se, procurou a ajuda de uma empresa que oferecia despedimentos por procuração, um serviço em rápido crescimento para os trabalhadores japoneses que não conseguem dar esse passo.
Por vezes, relata a agência Momuri com sede em Tóquio, trata-se apenas de uma relutância natural em enfrentar o chefe e entregar a carta de demissão, mas, noutros casos, os trabalhadores podem ter sofrido de assédio no trabalho e pedem ajuda para conseguirem sair.
Prevenir o assédio sexual no local de trabalho antes que aconteça
O Financial Times noticia que, a partir desta semana, todas as empresas do Reino Unido têm de tomar "acções preventivas" para evitar que o assédio sexual seja um problema. As novas regras exigem que os empregadores identifiquem os riscos de um potencial incidente, em vez de agirem mais tarde, o que já está a ter impacto nos códigos de conduta das principais empresas do país.
A lei, que faz parte do pacote de reformas laborais do novo governo trabalhista, entra em vigor a 26 de Outubro. A partir deste momento, as empresas terão de tomar medidas para travar estes comportamentos e, caso não o façam, a indemnização a pagar ao trabalhador que se queixe em tribunal pode aumentar 25%.
Um dos principais objectivos das novas regras é fazer uma mudança de cultura nas organizações. Leia aqui o que pensam os directores de recursos humanos e os dirigentes de algumas empresas sobre a medida.
Tribunais divididos no reconhecimento dos direitos dos estafetas
Passado um ano e meio desde que a lei entrou em vigor, os tribunais portugueses têm-se dividido quanto ao reconhecimento dos estafetas enquanto trabalhadores das plataformas de entregas. Ainda assim, a maioria das sentenças têm sido favoráveis às empresas.
Os dados mais recentes dão conta de 67 sentenças proferidas pelos tribunais do trabalho, 80% das quais foram favoráveis às empresas e só 20% deram como provados os indícios da existência de contrato de trabalho.
Já nos tribunais da relação, três dos quatro casos decididos confirmaram a existência de um contrato de trabalho entre os estafetas e as plataformas. O Governo já prometeu mudar a lei, mas até lá o tema ainda vai fazer correr muita tinta.