Da praça de touros ao Stop, o Porto/Post/Doc fala do mundo agora
O festival de cinema de real do Porto, de 22 a 30 de Novembro, mostra Albert Serra a filmar a tauromaquia, Petra Costa sobre o evangelismo brasileiro e muito mais.
Com o Doclisboa a continuar até ao próximo dia 27, anuncia-se já o próximo encontro do cinema de não-ficção em Portugal — o Porto/Post/Doc, que terá lugar de 22 a 30 de Novembro no Batalha Centro de Cinema e no Passos Manuel. E, apresentado ao público na manhã desta quarta-feira, a 11.ª edição do evento não faz por menos: propõe um curto documentário de Jorge Quintela sobre a situação do centro comercial Stop (Salas de Ensaio para um Materialismo Histórico); exibe o retrato do sul-africano que fotografou o apartheid, Ernest Cole, feito pelo autor de Eu Não Sou o Teu Negro, Raoul Peck (Ernest Cole: Lost and Found).
E, sobretudo, traz o polémico documentário do catalão Albert Serra sobre a tauromaquia, Tardes de Soledad (co-produção com a portuguesa Rosa Filmes), que venceu em Setembro o festival de San Sebastián. É um dos dez títulos da Competição Internacional do festival, numa programação que vai de Cabo Verde à Irlanda do Norte, de Singapura à África do Sul, passando pela arquitectura, pela masculinidade tóxica e pelas memórias de Nagasaki e da Rússia pré-perestroika.
A abertura faz-se com o documentário de Petra Costa Apocalipse nos Trópicos, estreado em Veneza e dedicado a Silas Malafaia, o “braço direito” evangélico de Jair Bolsonaro. Um filme que ecoa uma das direcções desta edição: olhar para o estado dos valores democráticos na Europa, contextualizá-lo no momento geopolítico actual. Uma proposta mais clara no já anunciado programa paralelo A Europa Não Existe, Eu Estive Lá, onde, ao redor do documentário do suíço Vadim Jendreyko The Song of Others: A Search of Europe, se exibem filmes dos irmãos Taviani, Larisa Shepitko, Carl Theodor Dreyer, Aki Kaurismäki, Theo Angelopoulos ou Tony Gatlif.
A presença de Portugal está concentrada na competição Cinema Falado, que abrange produções dos países de língua portuguesa. Este ano, todas as entradas nacionais no Cinema Falado são “repescagens”: Espiral em Ressonância, de Filipa César e Marinho de Pina, As Noites Ainda Cheiram a Pólvora, de Inadelso Cossa, e Sempre, de Luciana Fina, todas exibidas no Doclisboa; mais as curtas Deus-e-Meio, de Margarida Assis, Amanhã Não Dão Chuva, de Marta Teixeira, O Jardim em Movimento, de Inês Lima, Percebes, de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves (premiada em Annecy), e Tão Pequeninas, Tinham o Ar de Serem Já Crescidas, de Tânia Dinis (premiada no IndieLisboa e no festival de Melgaço).
O Cinema Falado completa-se com as longas Far West, do suíço Pierre-François Sauter, sobre os efeitos do turismo em Cabo Verde (co-produção com a portuguesa Terratreme); Homem Novo, do cabo-verdiano Carlos Yuri Ceuninck; Não Haverá Mais História sem Nós, da brasileira Priscilla Brasil; e Selvaxe, Selvaxe, do galego Emílio Fonseca.
Na competição internacional, Albert Serra lidera uma selecção que inclui The Black Garden, do franco-arménio Alexis Pazoumian; Bogancloch, do britânico Ben Rivers; E.1027 — Eileen Gray and the House by the Sea, dos suíços Béatrice Minger e Christoph Schaub; The Flats, da italiana Alessandra Celesia; Fragments of Ice, da ucraniana Maria Stoianova; Okurimono, da canadiana Laurence Lévesque; Preemptive Listening, da catalã Aura Satz; The Return of the Projectionist, do azeri Orkhan Aghazadeh; e Small Hours of the Night, do singapurano Daniel Hui.
O programa musical Transmission exibe o documentário de Alex Ross Perry sobre os Pavement, Pavements, mas também o “filme generativo” de Gary Hustwit sobre Brian Eno, Eno, onde nenhuma projecção é igual à anterior. A destacar igualmente Soundtrack to a Coup d’État, do sueco Johan Grimonprez, que faz a ponte entre o assassinato do líder congolês Patrice Lumumba em 1961 à “embaixada de boa vontade” a África de artistas jazz americanos; e dois filmes de Fred Riedel sobre Lee Ranaldo, fundador dos Sonic Youth.
Para lá do foco dado à obra da cineasta e artista georgiana Salomé Jashi, o festival fará ainda um destaque à Cinemateca Ideal dos Subúrbios do Mundo, projecto criado pela cineasta Alice Diop com o Centro Pompidou, onde se exibirão filmes da própria Diop, de Jean-Gabriel Périot, Maurice Pialat ou Basil da Cunha. E apresentará uma secção complementar às exposições no novo Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, com dois programas de curtas de documentaristas japoneses contemporâneos.