Relação de Guimarães dá razão a dois estafetas e reconhece contrato com plataforma de entregas

Embora com abordagens diferentes, duas sentenças contrariam a decisão dos tribunais do Trabalho e reconhecem a existência de contrato de trabalho entre dois estafetas e uma plataforma.

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Autoridade para as Condicões do Trabalho lançou uma accão de fiscalizacão para o sector das plataformas em Junho de 2023 Rui Gaudêncio
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Duas sentenças do Tribunal da Relação de Guimarães, proferidas a 3 de Outubro, deram razão ao Ministério Público e reconhecem a existência de um contrato de trabalho entre dois estafetas e uma empresa de entregas cujo nome não é revelado. As juízas fazem abordagens diferentes da lei, mas chegam à mesma conclusão: que os trabalhadores têm uma relação de trabalho subordinado com a plataforma e não são trabalhadores autónomos.

Num dos casos, a juíza desembargadora Maria Leonor Barroso decidiu não aplicar os indícios do trabalho em plataforma digital (artigo 12.º-A), por entender que a relação contratual começou antes da sua entrada em vigor (Maio de 2023). Mas isso não a impediu de, aplicando o artigo 12.º do Código do Trabalho, concluir que a empresa “não é uma mera intermediária tecnológica” e de dar como provado que o estafeta deve ser considerado um trabalhador dependente e não um prestador de serviços.

A juíza sublinha que a revolução digital e a actividade prestada em plataforma digital “transformaram as relações e a forma de organizar o trabalho”, o que requer “uma abordagem diferente da tradicional na distinção entre trabalho autónomo e trabalho dependente”.

Assim, conclui que a EMP01 (designação dada pelo tribunal à empresa, sem revelar o nome efectivo) “não é uma mera intermediária tecnológica”, mas “uma empresa que através de plataforma digital explora um negócio de recolha e entrega de mercadorias e dita as condições essenciais da sua execução, mormente cria e organiza o sistema de processamento do serviço”.

“Os clientes são seus e é a ré a fixar as condições e os critérios que mais determinam o preço”, exemplifica.

Na sentença afasta-se também o argumento da empresa, que alega que a plataforma digital não é um equipamento ou instrumento de trabalho. A juíza entende que a infra-estrutura “essencial” da actividade é o software gerido pela ré e “a propriedade do smartphone, motorizada e mochila por parte dos estafetas” é acessória e secundária.

Dá-se ainda como provado que a empresa pode impedir o estafeta de aceder à aplicação, determina a retribuição e que a possibilidade de o estafeta se fazer substituir por outro é “aparente”.

O segundo processo que chegou à Relação de Guimarães envolve a mesma empresa. Neste caso, a juíza Vera Maria Sottomayor decidiu aplicar a norma dedicada ao trabalho em plataformas digitais e concluiu que se verificaram três dos indícios aí previstos.

A plataforma, lê-se na sentença, estabelece a forma como o serviço deve ser feito e decide o preço, a forma de pagamento e a taxa de entrega, “ficando processo de facturação a cargo da plataforma”.

Além disso, o estafeta está sujeito a diversas formas de controlo e de avaliação algorítmica por parte da plataforma, “o que não pode deixar de ser considerado uma manifestação do poder de direcção e disciplinar que a empresa que gere a plataforma exerce [para com o estafeta], o que evidencia, sem margem para dúvida, a dependência própria da relação laboral, que a ré não logrou ilidir”.

“Importa salientar que perante as novas formas de trabalhar através das plataformas digitais alguns dos indícios clássicos de subordinação jurídica não são de considerar operacionais, nem são de valorizar, pois só por si não afastam o novo tipo de dependência resultante de serviços prestados via plataforma digital”, refere. Acrescenta que alguns desses indícios (como o local de trabalho, a propriedade dos equipamentos, o horário e o pagamento de retribuição) “não se adequam à actividade desempenhada por estes trabalhadores”.

Especialistas destacam importância das sentenças

As decisões agora conhecidas vão no sentido contrário da sentença proferida, em Setembro, pelo Tribunal da Relação de Évora, que deu razão à Glovo e negou a existência de contrato de trabalho entre 27 estafetas e a plataforma de entrega de comida.

João Leal Amado, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, destaca a importância das decisões, “porque contrariam a ideia de que se está a criar um entendimento uniforme” nos tribunais superiores favorável às plataformas de entregas.

Num artigo que assina em co-autoria com Teresa Coelho Moreira, professora da Escola de Direito da Universidade do Minho, o especialista diz que ambas as sentenças “merecem aplauso”.

Por um lado, demonstram que a presunção legal introduzida em 2023 com o artigo 12.º-A “pode ser um auxiliar importante, no plano probatório, para conseguir aquilo que mais interessa”, que é a “correcta determinação do estatuto profissional das pessoas que trabalham nas plataformas”.

E, por outro, também fica demonstrado que esse artigo “não é indispensável para alcançar esse resultado” e que os tribunais podem concluir pela existência de um contrato, se olharem para os factos relacionados com a execução do trabalho.

Notícia corrigida com a referência de que EMP01 é a forma como o tribunal se refere à plataforma, sem revelar o nome da empresa.

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