Amigos a testar detector de metais encontraram o tesouro mais valioso de sempre em Inglaterra
Mais de 2500 moedas de prata do século XI foram encontradas num campo ensopado no sudoeste britânico. Amigos e dono do terreno recompensados com 5,1 milhões de euros. Moedas são da invasão normanda.
Às vezes, aquelas pessoas que andam pelas praias ou prados com detectores de metais a rasar o chão encontram o tesouro que procuravam. Mas estes sete amigos ainda nem estavam nessa fase. Andavam por um campo enlameado no Vale de Chew, no sudoeste inglês, a tentar perceber como uma máquina do género funcionava. E encontraram o tesouro mais valioso de sempre detectado em Inglaterra: mais de 2500 moedas de prata do século XI, avaliadas em 5,1 milhões de euros. Vão ser expostas no British Museum já em Novembro.
O lote de 2584 moedas de prata, “pennies” para sermos mais exactos, foi entretanto adquirido como bem de interesse nacional pelo South West Heritage Trust — uma organização de beneficência financiada por várias concelhias locais e pelo Arts Council England — pela quantia supracitada (4,3 milhões de libras). A sua importância histórica é imensa e ultrapassa o valor seja da prata usada para forjar as moedas, que reluzem agora em todo o seu esplendor, seja do valor pago pela mesma.
Para o South West Heritage Trust, este é “um momento chave para a nação”, e o seu director contextualiza-o: “Simboliza um momento chave da História de Inglaterra”, diz Sam Astill. “O Tesouro de Chew Valley é o maior tesouro de moedas alguma vez encontrado no período de turbulência que se seguiu imediatamente à conquista normanda. Representa um ponto de viragem na história inglesa (quando a Inglaterra foi conquistada com sucesso pela última vez) e um momento que definiu a consciência nacional”, indica o Trust no seu site.
A conquista Normanda foi a invasão e ocupação do território hoje conhecido como Inglaterra por um exército europeu continental composto tanto por normandos quanto por franceses, bretões ou flamengos. Foi motivada pelo desejo de sucessão no trono de Inglaterra por William, o Conquistador, até então Duque da Normandia, que pretendia ser rei após a morte do rei Eduardo, que morreu sem filhos. O trono estava ocupado por um seu cunhado, Harold Godwinson, coroado Harold II, mas o exército desse familiar nada pôde contra as forças de William na Batalha de Hastings, que resultou na coroação de William I.
Estas moedas foram enterrada “em 1067/8 numa propriedade que mais tarde pertenceu a Giso, bispo de Wells”, explica o South West Heritage Trust no seu site. “Foi provavelmente enterrado para ser mantido em segurança durante um período de instabilidade” que se seguiu à conquista, em 1066. Dois anos depois, o povo de Exeter revoltou-se contra o domínio normando e entretanto os filhos de Harold II tinham regressado do seu exílio na Irlanda, voltando ao campo de batalha — as suas forças passaram por Somerset e pelo vale de Chew.
As moedas representam bem este momento de tumulto nas ilhas britânicas. Há uma moeda que tem a efígie de Eduardo III, quase metade delas são de Harold II, o último rei saxão coroado em Inglaterra, e mais de metade são de William I, o primeiro rei normando do país. O seu reinado durou de 1066 até 1087. Nunca se tinham encontrado tantas moedas da era de Harold II e o tesouro quase quintuplica o número de moedas já encontradas de William I — estas, em particular, dizem respeito à primeira tranche cunhada, logo após a sua coroação no dia de Natal de 1066.
“Este notável tesouro dá-nos uma visão única da História rica do nosso país e de um dos momentos mais importantes da nossa História, quando estas ilhas foram lançadas em tumulto pela conquista normanda”, comentou o ministro do Património, Chris Bryant, citado pela BBC.
Sete amigos e um cão
O valor foi acertado por recomendação do Comité de Avaliação do Tesouro e, segundo o Trust, “baseia-se principalmente no seu significado histórico, na singularidade do achado, no estado e no carácter coleccionável das moedas e na raridade de exemplares específicos, e não no valor intrínseco da prata. A avaliação corresponde ao valor que o Comité de Avaliação do Tesouro espera que o tesouro alcançasse à venda no mercado livre”.
Mas tal não poderá suceder após a aquisição pelo Trust em nome do interesse nacional, e que foi possível graças a financiamento de várias fontes, nomeadamente o National Lottery and Art Fund.
No meio disto tudo, onde ficam os sete amigos e, assinale-se, o proprietário do terreno onde testavam a sua máquina de detecção de metais? Em Inglaterra, no País de Gales e na Irlanda do Norte, qualquer pessoa que descubra um potencial tesouro tem a obrigação legal de comunicar [o achado] desses objectos ao abrigo da Lei do Tesouro de 1996, contextualiza o South West Heritage Trust. O que não deixa os cidadãos a descoberto, dando direito a uma recompensa financiada por um museu ou instituição que os deseje adquirir. Os 5,1 milhões de euros foram distribuídos entre os sete amigos, que receberam metade da quantia, e o proprietário do terreno, que recebeu os outros 50% e que mantém o anonimato.
Para os amigos que passeavam por um campo ensopado, como descreve o diário britânico The Guardian, tudo isto “é fantástico, inacreditável”, nas palavras de um deles, Adam Staples — que gere precisamente uma leiloeira especializada em moedas antigas. Depois de o detector de metais ter apitado, as moedas não paravam de sair do solo quando esgravatavam. “Foi um sentimento de espanto. Encontrar uma moeda foi óptimo. Depois, em poucos minutos, mais algumas, depois dez moedas, 50 moedas. Era cada vez maior. E as emoções multiplicam-se. Mudou definitivamente a minha vida. Foi como ter História na mão. E, obviamente, o lado financeiro também é brilhante”, admitiu segunda-feira ao Guardian.
Staples participou na expedição quase por acaso. O detector de metais pertencia a amigos seus que lhe pediram ajuda para lhes mostrar como operar a máquina. Staples, a sua então companheira Lisa Grace, especialista em catalogar antiguidades, e até o seu cão, Titan, fizeram disso um plano de fim-de-semana. Tudo isto se passou em Janeiro de 2019, sob um céu tempestuoso. A primeira moeda estava azulada, depois vieram mais e mais e um balde do proprietário do terreno e o casaco de Adam Staples serviram para guardar o verdadeiro tesouro que ali descobriram.
“O tesouro pode ter sido o resultado de um saque ou talvez alguém que escondeu o seu dinheiro por causa da revolta” contra William I, arrisca o leiloeiro.
O tesouro deixará o British Museum para uma digressão pelo país, tendo como primeira paragem Bath (perto do local da descoberta) e depois, no final dessa itinerância, ficando depositado no Museum of Somerset, onde seria exposto no Verão de 2026.