Ministério Público pede estatuto de maior acompanhado para Ricardo Salgado

Antigo banqueiro sofre de Alzheimer e está a ser julgado pela derrocada do universo Espírito Santo. Advogado de defesa elogia iniciativa de procuradores.

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Ricardo Salgado à entrada do tribunal na passada terça-feira ANDRÉ KOSTERS / LUSA
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O Ministério Público pediu o estatuto de maior acompanhado para Ricardo Salgado no julgamento que está a decorrer no Campus da Justiça, em Lisboa, para apurar responsabilidades criminais na derrocada do universo Espírito Santo.

O antigo banqueiro, que sofre de Alzheimer, responde em tribunal por 62 crimes alegadamente praticados entre 2009 e 2014, entre os quais associação criminosa, corrupção activa no sector privado, burla qualificada, manipulação de mercado e branqueamento de capitais. Na primeira sessão do julgamento, que teve lugar nesta terça-feira, conseguiu dizer aos juízes o seu nome e o do seu pai, mas mostrou dificuldades em dizer o da mãe e em dar a sua morada. Quando os magistrados lhe perguntaram se pretendia ser dispensado de assistir às sessões seguintes do julgamento não conseguiu responder.

Será agora um tribunal a decidir se atribui este estatuto ao arguido. Trata-se de um regime destinado a adultos que, por razões de doença ou deficiência, se manifestem incapazes de tomar algumas decisões sobre a sua própria vida, competindo a um juiz avaliar a necessidade de medidas de acompanhamento - um instrumento legal que visa salvaguardar o bem-estar da pessoa adulta e assegurar que exerce os seus direitos e cumpre os seus deveres. Na prática, e se o pedido for deferido, a pessoa só será acompanhada na medida das suas incapacidades.

De acordo com a lei, o regime do acompanhamento visa garantir o bem-estar, a recuperação, o pleno exercício dos direitos da pessoa acompanhada, “bem como a observância dos deveres do adulto”, limitando-se ao mínimo necessário para que a autodeterminação e capacidades do beneficiário possam ficar asseguradas.

O facto de os advogados de Ricardo Salgado nunca terem efectuado este pedido poderá explicar-se por uma questão de estratégia processual, uma vez que sempre defenderam que o procedimento criminal contra o seu cliente deve ser extinto ou pelo menos suspenso por razões de saúde mental. Recorde-se que mesmo alguns dos advogados que representam lesados do BES neste processo têm lamentado o facto de Ricardo Salgado estar a ser submetido a julgamento nestas condições, ainda que tenha sido dispensado de voltar a estar presente na sala de audiências.

À saída do tribunal esta sexta-feira, um dos defensores do antigo banqueiro, Francisco Proença de Carvalho, mostrou-se satisfeito por o Ministério Público estar, com esta iniciativa, a "zelar pela dignidade" do seu cliente, que "não tem memória nem capacidade cognitiva". E acrescentou que Ricardo Salgado já é, na prática, um maior acompanhado. "O estatuto é uma formalização, uma burocracia", considerou o advogado.

E que impacto poderá ter a sua atribuição no julgamento que está a decorrer? Segundo o advogado especializado em direito penal Carlos Melo Alves, poderá facilitar a suspensão da pena ao antigo banqueiro, caso os juízes o resolvam condenar. Porém, quem vier a ser designado pelo tribunal seu acompanhante não poderá, em circunstância alguma, prestar declarações em seu lugar neste julgamento: "Em processo penal a prestação de declarações é pessoal e intransmissível".

Carlos Melo Alves dá como exemplo deste impedimento legal o caso de uma criança alvo de abusos sexuais que tenha de ser ouvida pelas autoridades. Os pais podem acompanhá-la na prestação de declarações, mas também não lhes é permitido serem eles a fazer o relato do que aconteceu em substituição do filho.

Num despacho que proferiu nas vésperas do início do julgamento, a magistrada que dirige os trabalhos, Helena Susano, justificou a necessidade de julgar Ricardo Salgado com questões de interesse público e pacificação social. Mas também admitia desde logo a possibilidade de lhe vir a suspender a pena que lhe pudesse vir a aplicar, precisamente devido ao seu estado de saúde, hipótese de resto prevista na lei para casos como este.

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