A Festa da Ilustração de Setúbal já inaugurou as exposições todas. Agora, é visitá-las
Lapso, Ilustrar a Liberdade e João da Câmara Leme — A Década Prodigiosa são algumas das exposições que foram sendo inauguradas. Há dez anos que a cidade pergunta: “É preciso fazer um desenho?”
Desde 5 de Outubro que Setúbal está em festa ilustrada. No seu 10.º aniversário, dez equipamentos mostram de novo o “melhor que passa pela cabeça dos melhores artistas que ilustram porque têm opinião e atitude”, nas palavras do director do projecto, José Teófilo Duarte. As exposições distam pouco umas das outras, por isso é possível visitá-las num só dia. Mas em dois ou mais é melhor. Às sextas-feiras, às 10h, há visitas guiadas com os autores e curadores.
A Festa da Ilustração de Setúbal, organizada pelo município, tem nesta edição como convidada nacional a ilustradora Catarina Sobral e expõe também trabalhos do ilustrador veterano João da Câmara Leme.
Lapso é o nome da mostra de Catarina, porque “é feita de hesitações, saltos temporais, erros, ilustrações feias e bonitas”, e pode ser visitada na Casa da Cultura. Para conhecer “a década prodigiosa” em que se enquadra a obra de João da Câmara Leme, há que rumar à Galeria Municipal do Onze e observar mais uma exposição exuberante assinada por Jorge Silva (até 14 de Dezembro). É sair da Praça do Bocage, passar pela Baixa e entrar na Av. Luísa Todi. O antigo quartel fica no n.º5, a caminho dos restaurantes de peixe assado e choco frito.
Os convidados internacionais deste ano vieram do Uruguai, são artistas premiados recentemente e ocuparam o espaço João Paulo Cotrim, também na Casa da Cultura. São eles: Ca_Teter (Prémio de Ilustração), Victoria Capdepon González (segundo lugar no Prémio de Ilustração) e Alejo Schettini (Prémio de Animação).
Numa conversa conduzida por André Letria nos primeiros dias da festa, ficou a saber-se das dificuldades que os ilustradores daquele país têm em viver exclusivamente do seu trabalho artístico e fez-se eco das suas formas de expressão.
Sobre o trabalho de Ca_Teter, escreveu a professora Ana Nogueira: “Nos desenhos de Ca_teter, em especial nos seus auto-retratos, a água habita os seus sonhos, por camadas, emerge, mineral, rica em ingredientes: personagens/coisas dispostas em patamares interligados por degraus que, por vezes, não vão dar a nada. Melhor ainda, darão sempre à superfície, como a água termal.”
As exposições na Casa da Cultura podem ser visitadas até dia 24 de Novembro, assim como a mostra, na livraria Culsete, das imagens de Catarina Sobral para o livro Fantasmas, Bananas e Avestruzes, com o qual venceu o Prémio Nacional de Ilustração deste ano. O título integra-se na colecção Democracia, editada pela Assembleia da República. A ilustradora voltou a ser nomeada para o prémio literário sueco Astrid Lindgren Memorial Award (ALMA) 2025, desta vez, "por entidades estrangeiras, que reconheceram o seu impacto e projecção além-fronteiras", informa a Direcção-Geral dos Livros, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).
Perto da Culsete, no Museu de Setúbal/Convento de Jesus, há A Presença das Formigas, em que se pode apreciar a obra gráfica de José Afonso. Através das capas de discos desenhadas por José Santa-Bárbara, José Brandão, Alberto Lopes e João de Azevedo, percebe-se como José Afonso foi pioneiro na apresentação visual do seu trabalho.
“Num tempo em que as capas que envolviam os discos se limitavam a reproduzir a fotografia do autor, partindo do princípio de que era a imagem do cantor que vendia, José Afonso convocou designers contemporâneos. Convocados, fizeram o seu melhor. A obra de José Afonso é também um marco visual original”, escreve Teófilo Duarte no Jornal da Festa.
E porque se assinalam os 50 anos do 25 de Abril de 1974, reuniu-se no Museu do Trabalho Michel Giacometti exemplares de “imprensa da Revolução”, com recurso aos arquivos do Almanaque Silva e Ephemera, de José Pacheco Pereira. Ali se podem ver capas de publicações como Pé de Cabra, Opção, O Chucha, O Mariola, Gaiola Aberta ou o Diário de Lisboa, quando a liberdade de expressão foi permitida e os ilustradores puderam mostrar o seu talento e militância.
Ilustrar a Liberdade é o nome desta exposição, que estará aberta ao público até dia 4 de Novembro e que tem dentro desenhos de João Martins, feitos para a imprensa da altura, mas que podiam muito bem ter sido criados agora. Temas como o elevado preço da habitação, a fome ou a corrupção continuam a marcar a agenda noticiosa e a vida dos portugueses.
A cinco minutos do Museu do Trabalho, a Casa do Bocage reúne imagens dos dez anos da Festa da Ilustração, com fotógrafos e fotografias de todas as edições. É A Festa em Imagens (até 9 de Novembro). Antes, pode fazer-se uma pausa no miradouro de São Sebastião e apreciar a vista da Arrábida, do rio e da península de Tróia
Também ali bem perto, a Gráfica — Centro de Criação Artística acolhe A Ilustração Portuguesa até 17 de Novembro, com muitos artistas nacionais que expõem as suas metáforas visuais em tempo de festejos da liberdade.
A Biblioteca Municipal Azeitão (não se pode ir a pé), assim como a de Setúbal (pode-se) apresentam colectivas de ilustradores sob o mote Poética da Educação em Sebastião da Gama (até 31 de Outubro). O poeta nasceu há cem anos, a 10 de Abril de 1924.
Conversas ilustradas
Para cada exposição foi agendada uma conversa. As próximas são já no próximo sábado (dia 19): às 16h, na Casa das Imagens Lauro António, a seguir à exibição das curtas de animação de Catarina Sobral Razão entre dois Volumes e Polvo, com Pedro Soares, da Experimentáculo, e José Teófilo Duarte.
Ali ao lado, às 17h, na Biblioteca Municipal de Setúbal, as professoras Fátima Ribeiro Medeiros e Ana Nogueira falarão sobre o poeta setubalense Sebastião da Gama.
Durante o mês de Novembro, outros espaços serão palco de conversas entre escritores e ilustradores. Alguns “repetentes” numa festa de dez anos e "com os olhos bem abertos".
Mais uma vez se responde: sim, é preciso fazer um desenho. Muitos. Com opinião e atitude.
(Marcações para visitas guiadas, Casa da Cultura: 265 236 168.)