O declínio do império Fiat é uma sombra sobre Turim: cidade procura reinventar-se

A histórica Mirafiori está quase inactiva e Turim, casa da Fiat, reinventa-se, até como destino turístico. Trabalhadores da Stellantis, comandada pelo português Carlos Tavares, em greve sexta-feira.

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Vista geral da sede do fabricante de automóveis franco-italiano Stellantis, em Itália (imagem captada a 16 de Outubro) Remo Casilli / REUTERS
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A cidade italiana de Turim, casa da mais antiga fábrica de automóveis da Europa, é um símbolo da decadência industrial que partes do continente enfrentam enquanto os seus fabricantes de automóveis enfrentam os custos da electrificação, a quebra na procura e a concorrência da China.

Situada no sopé dos Alpes, no noroeste de Itália, Turim é o local onde a Fiat, actualmente parte da multinacional Stellantis, foi co-fundada pela família Agnelli há 125 anos. Actualmente, debate-se com o declínio da sua indústria outrora dominante, uma evidência patente no estado da sua histórica fábrica de Mirafiori.

É nesta fábrica que se produz o citadino eléctrico Fiat 500 e dois desportivos Maserati mas, devido à fraca procura, a produção foi suspensa durante grande parte do ano e 2800 trabalhadores estão em licença temporária com salários reduzidos.

"Mirafiori já foi encerrada. Só que, por vezes, reabre", diz Giacomo Zulianello, trabalhador da fábrica e sindicalista da FIOM-Cgil, que se encontra entre os suspensos até ao início de Novembro.

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Parco Doria, uma antiga zona industrial que albergava instalações da Fiat e da Michelin e que foi convertida num espaço verde, em Turim REUTERS/Remo Casilli

Para sobreviver, a Fiat permitiu que a sua identidade italiana se diluísse ao assumir o controlo e depois fundiu-se com a Chrysler em 2014, criando a Fiat Chrysler Automobiles (FCA), tendo-se juntado ao fabricante da Peugeot, PSA, para formar a Stellantis em 2021.

Entretanto, Turim perdeu quatro das suas fábricas de automóveis nas últimas quatro décadas, a começar por Lingotto em 1982 — famosa pela pista de testes no telhado que aparece no clássico filme britânico dos anos 60 The Italian Job (Um Golpe em Itália) — e a terminar no ano passado com Grugliasco.

Mirafiori — outrora o símbolo do poder da Fiat, empregando cerca de 60.000 pessoas e produzindo até um milhão de automóveis por ano, incluindo o Fiat 500 original no seu apogeu dos anos 60 — reduziu-se a uma sombra do seu antigo império.

"Há uma palavra tabu aqui em Turim, que é ‘declínio’... Podemos chamar-lhe o que quisermos... Mas é um facto bastante incontroverso", diz Luca Davico, sociólogo urbano do Politécnico de Turim.

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Pessoas passam junto a uma parte fechada da fábrica do fabricante de automóveis franco-italiano Stellantis, em Turim REUTERS/Remo Casilli

Cerca de 2,2 milhões de pessoas vivem naquela cidade e nos seus arredores.

Turim tem tentado reinventar-se como um destino turístico, promovendo o seu centro elegante, os seus museus e gastronomia de topo e a proximidade dos Alpes, bem como um centro de estudos, com mais de uma dúzia de universidades e academias.

É também sede de uma próspera indústria aeroespacial e da Juventus, o clube de futebol mais bem-sucedido de Itália.

No entanto, com cerca de 50.000 a 60.000 postos de trabalho na área ainda ligados à indústria automóvel, o ambiente é sombrio, uma vez que os trabalhadores da Stellantis se preparam para uma greve nacional e uma marcha em Roma, na sexta-feira, para pressionar o Governo e a empresa a salvaguardar os postos de trabalho.

A última fábrica

Reflectindo os desafios do sector que também afectam o líder do mercado europeu, a Volkswagen, a produção italiana da Stellantis deverá cair para menos de 500.000 veículos este ano, o valor mais baixo desde 1958, de acordo com o sindicato FIM Cisl.

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Turim quer apostar mais no turismo Reuters

Mirafiori é actualmente a última fábrica de automóveis em Turim, com a sua força de trabalho maioritariamente inactiva e próxima da reforma. Segundo os sindicatos, a idade média é de 57-58 anos e as gerações mais jovens já não se sentem atraídas pelo sector automóvel.

Michela Sanfilippo, operária, teve uma recordação muito clara deste facto quando foi fazer uma tatuagem. "O tipo que me tatuou era muito novo e quando me perguntou onde eu trabalhava e eu lhe disse ‘Stellantis, ex-Fiat’, ele perguntou 'O que é isso? O que é que produz?'... Foi muito embaraçoso", conta.

Francesco Zirpoli, professor de gestão na Universidade Ca' Foscari de Veneza e director científico do Centro de Inovação Automóvel e Mobilidade, afirma que a produção automóvel italiana decaiu devido à falta de investimentos da Stellantis em novos modelos, especialmente nas suas fábricas italianas. "Mais do que um erro, foi uma escolha", lamenta.

A passagem da Fiat para a Stellantis significa que Turim deixou de ser o principal centro de engenharia e desenvolvimento de produtos, acrescenta Zirpoli. Os mais recentes Fiats, Alfas e Lancias são concebidos em Itália, mas utilizam sobretudo motores e plataformas de origem francesa.

São produzidos no estrangeiro e o director executivo da Stellantis, o português Carlos Tavares (que deverá reformar-se em Janeiro), afirmou que fabricar um deles (o Alfa Romeo Junior) em Itália e não na Polónia teria acrescentado 10.000 euros ao preço de venda ao público [em Portugal, a fábrica da Stellantis em Mangualde iniciou produção este Verão].

O futuro não é aqui

Mirafiori, conhecida como a "cidade dentro da cidade", é um enorme complexo com mais de dois milhões de metros quadrados. Mas agora, quando Zulianello vai para o trabalho, enfrenta os 15 minutos de caminhada entre o portão da fábrica e a linha de montagem por entre espaços abandonados.

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Carlos Tavares, CEO da Stellantis REUTERS/Benoit Tessier

Os trabalhadores em licença temporária recebem apenas cerca de 1100 euros por mês, depois de descontados os impostos, em comparação com um salário normal de cerca de 1600 euros.

"Passámos por períodos difíceis", confessa Davide Manago, funcionário da FIM Cisl e trabalhador da fábrica, cuja mulher também trabalha na Mirafiori. Ambos foram despedidos várias vezes, mas felizmente nunca ao mesmo tempo.

Mas, por vezes, o dinheiro "não chegava para pagar a hipoteca e ir ao banco pedir empréstimos para pôr comida na mesa não era fácil", conta Manago, 49 anos, que se lembra com lágrimas nos olhos. " O meu medo é voltar a isso."

Stellantis insiste que Mirafiori tem futuro.

A fábrica produz caixas de velocidades para veículos eléctricos e híbridos, alberga um centro de reciclagem de peças automóveis e um laboratório de tecnologia de baterias, e começará a produzir uma nova versão híbrida do Fiat 500 no final de 2025.

Turim também poderá beneficiar se o Governo atrair outro fabricante de automóveis para Itália, pondo fim ao estatuto de Stellantis como único grande produtor nacional de automóveis. Estão em curso conversações com os chineses Dongfeng Motor e Chery Automobile.

No entanto, Manago espera que o seu filho de 18 anos e a sua filha de 15 encontrem melhores oportunidades noutras paragens: "Espero que o futuro deles não seja em Turim, talvez nem mesmo em Itália."

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