Hugo van der Ding e Martim Sousa Tavares são agora Duas Pessoas a Fazer Televisão num canal de notícias
RTP3 estreia esta sexta-feira às 23h um magazine que revê a semana — esta ou outra qualquer. “Não temos culpa de que as pessoas nos achem piada, porque nós não estamos a tentar ter piada. A sério.”
Na gravação do primeiro programa, houve uma pequena inundação devido ao mau tempo e muitas pausas técnicas para que os apresentadores, os convidados, as rubricas e o próprio formato se ajeitassem bem nos papéis de Duas Pessoas a Fazer Televisão. Estreia-se esta sexta-feira às 23h na RTP3 e pode ser um agitador num canal de informação: Hugo van der Ding e Martim Sousa Tavares apresentam uma espécie de magazine em que falam da actualidade sem estarem presos à “semana”, embora ela também lá esteja. Mas estas duas pessoas a fazer televisão farão o que lhes apetece. Para quem já os conhece do Instagram, dos podcasts, dos espectáculos ao vivo, dos livros, dos respectivos programas na Antena 3 e na Antena 2 ou na RTP2, e como par formado por um humorista e um maestro, nada de novo. “Arranjámos uma forma de televisionar a nossa amizade”, resume o segundo.
Duas Pessoas a Fazer Televisão vem de um convite do director de informação da RTP, António José Teixeira, e de um diagnóstico tão confiante no entrosamento desta equipa de dois que foi logo garantida uma temporada de 36 episódios. “Estamos muito confortáveis neste papel de narradores a quatro mãos”, diz ao PÚBLICO Martim Sousa Tavares. No fundo, dois amigos que pensaram que as conversas que têm diariamente podiam dar um podcast, se um microfone lá estivesse. Deu. E depois deu outro. E depois tiveram carta-branca da RTP para um programa de uma hora.
“O título foi o que saiu quando nos pediram uma sinopse do podcast [original]”, explica Hugo van der Ding, vincando a espontaneidade e o registo da ligação entre os dois apresentadores, que transpirarão naturalmente para a parte de conversa do programa. Depois há a ideia de que, sendo a proposta a de passar “a semana em revista”, esse lapso envolve “muitos tempos diferentes”, diz Martim Sousa Tavares. “O lado B das notícias, ou notícias que nos passam ao lado porque descobriu-se o túmulo da avó do Tutankhamon mas hoje em dia já ninguém quer saber da senhora, ela já foi”, completa Van der Ding.
Haverá também convidados — os primeiros são Dino d’Santiago e Liliana Valpaços — e “alguns desafios para casa, sugestões culturais”, elenca Sousa Tavares. Será pois um magazine de actualidade mas à solta no tempo e na RTP3, porque a actualidade pode ser “os anos 70 do século XVII, a Antiguidade, mas fazendo sempre a ponte” com os dias de hoje, detalha Hugo van der Ding. “Não queremos ser mais um programa onde vamos discutir o Orçamento do Estado, o [André] Ventura, pelo menos não directamente”, dizem ambos quase exactamente com as mesmas palavras. Esses programas já existem, a sério e a brincar.
O autor do cartoon A Criada Malcriada e da rubrica Vamos Todos Morrer, na Antena 3, parece não conseguir falar sem o riso na voz — mesmo quando faz exposições ou teatro. Quando lhe perguntamos se há, mesmo que a uma distância segura e conceptual, algo de Last Week Tonight de John Oliver ou de magazine à la Gato Fedorento em Duas Pessoas a Fazer Televisão, recorda como ouve os podcasts que fez com o amigo maestro e se ri muito, como uma vez se riram tanto os dois que iam tendo um acidente aparatoso na estrada. “O humor é uma ferramenta e não um objectivo. Olha, isto é algo que podia definir o meu trabalho”, percebe. E frisa que o programa “não é uma fuga, porque isso não é responsável tendo em conta o que está a acontecer no mundo; é um espaço para respirar”.
A dupla conheceu-se em 2018 e o trabalho conjunto começou a acontecer naturalmente. “Não temos culpa de que as pessoas nos achem piada, porque nós não estamos a tentar ter piada. A sério”, garante Martim Sousa Tavares. Serão apenas “dois tipos improváveis que agora resolveram dar notícias. E a notícia desta semana pode ser que faz não sei quantos anos que morreu o cardeal Cerejeira”.
À sua disposição, além de uma fonte inesgotável de vontade de conversar e de temas, está o arquivo RTP, que o maestro da Orquestra do Algarve classifica como “delicioso” e que lhes permite ter uma espécie de “enviado especial ao funeral” do cardeal que tão próximo era de Oliveira Salazar, por exemplo. E aprender com isso, com a História a partir de uma estória.
“É uma maneira muito mais fixe de criar espaços de reflexão que não são necessariamente aqueles que existem — e dos quais as pessoas estão um bocadinho fartas e cansadas. Através de histórias com 200 anos, podemos falar de imigrantes, de discriminação, da subida dos extremismos”, resume Hugo Van der Ding.