A selecção nacional tem um novo Ronaldo: chama-se Bruno
Diante da Polónia, Bruno Fernandes compensou as permanentes saídas de Cristiano Ronaldo da zonas de finalização com um posicionamento mais audaz. Uma solução para manter, a começar por esta noite?
Ainda é cedo para dizer se a boa versão da selecção portuguesa que venceu a Polónia é uma versão definitiva. Até pode ser, repetindo-se nesta terça-feira (19h45, RTP) frente à Escócia, mas também pode bem ter sido um fenómeno único. Mas há algo que já é possível dizer, mesmo com apenas um jogo de experiência: é que Roberto Martínez quis fazer de Bruno Fernandes um novo Cristiano Ronaldo e a ideia não só funcionou bem como tem, em tese, bastante lógica.
Um dos problemas mais óbvios da selecção nacional era a falta de presença ofensiva na área desencadeada pela ausência de Cristiano Ronaldo, fã de sair da posição para ajudar os colegas a criar jogo.
No fundo, o capitão não parece disponível para aceitar que, nesta fase da carreira, pode ser “apenas” um finalizador, sucumbindo, aos 39 anos, à fatalidade de já não ser um desequilibrador – e muito menos um criador de jogo.
Ronaldo parece crer que quanto mais participe na criação de jogo mais perto do triunfo ficará a selecção. A premissa é discutível, mas Roberto Martínez não a quer discutir, até porque não é crível que Ronaldo vá aceitar mudar de ideias ou que alguém o convença a isso – muito menos Martínez, focado em ser mais conciliador do que litigioso.
O espanhol optou, portanto, por contornar esse problema com ajuda de Bruno Fernandes. Frente à Polónia, Ronaldo não deixou de marcar “à ponta-de-lança”, numa recarga dentro da área, mas também não deixou de fazer os raides que gosta de fazer: apoios frontais longe da área, tocar na bola à direita e pegar nela à esquerda.
Mas Portugal não sentiu falta de um avançado, por trabalho de Bruno Fernandes, que por lá andou com frequência.
Engodo de marcações
O sistema de jogo da selecção é bastante híbrido e pressupõe jogadores capazes de aparecerem em zonas que teoricamente não são as suas.
Isso já acontecia com o lateral-direito que é médio-ofensivo, com o central que é lateral-direito, com o ala-direito que é médio-interior e com o lateral-esquerdo que é um pouco de tudo. Agora, acontece também com o médio-centro que é ponta-de-lança.
Frente à Polónia, Bruno Fernandes insistiu na presença na zona do avançado sempre que Ronaldo saía da posição e isso dotou a equipa de um corpo na zona de finalização.
Fernandes pediu a bola em apoios frontais, aguentou cargas, fez desmarcações no espaço e, sobretudo, arrastou marcações. Muitas vezes, o médio não tocou na bola em zonas de finalização, mas a sua presença permitiu pelo menos fixar um central, em vez de deixá-lo “de cadeirinha” pela ausência de um adversário nas redondezas.
Mancha na zona do penálti
Os mapas de calor das movimentações de Bruno Fernandes mostram a diferença abismal entre as anteriores cinco partidas (Liga das Nações e Europeu) e este jogo com a Polónia, o único no qual houve uma mancha escura dentro da área – sinal de que Fernandes passou muito tempo na zona da marca de penálti.
Este labor como engodo de marcações pode parecer um papel menor para alguém como Bruno Fernandes, mas nem por isso lhe tira relevância. Primeiro, porque o mapa de calor mostra que pôde ser influente também noutras zonas. Segundo, porque esteve perto do golo várias vezes e, no 1-0 de Portugal, foi ele quem serviu de pivô de uma bola aérea, assistindo Bernardo, de costas para a baliza, num movimento “à ponta-de-lança”.
Pode ser argumentado que ele beneficia de ver o jogo de frente, pelas virtudes na leitura de jogo, no passe, na decisão e até na meia-distância, mas parece mais ou menos claro que a equipa beneficia desse eventual prejuízo individual a Bruno Fernandes – e nem é garantido que o seja.
O jogador sem posição
Na conferência de imprensa de antevisão da partida com a Escócia, Roberto Martínez não abordou este tema, mas falou, de forma genérica, da capacidade de vários jogadores para desempenharem diversas funções – entre os quais Bruno Fernandes, mas também Bernardo, que acabou por ter menção especial.
“Há muitos jogadores que podem desempenhar vários papéis. Temos muitas opções. Com blocos baixos, o Bernardo pode encontrar espaço por dentro, mas por fora tem boas decisões e muda a intenção dos nossos ataques. O Bernardo é um jogador que não tem posição”, explicou.
Nesta fase, Bruno Fernandes também não parece ter posição. Ou até tem: a posição é onde não estiver Ronaldo.