Vice-presidente da Google Research sobre a IA: “Nem toda a gente tem de aprender código. Mas todos temos de estar envolvidos na discussão”

Maya Kulycky, vice-presidente da Google Research, define-se como “tecno-optimista” e diz que há projectos da empresa em IA que já estão a ter impacto significativo em várias áreas.

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Maya Kulycky, vice-presidente da Google Research, esteve em Lisboa para um evento da empresa Rui Gaudêncio
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Exactamente à mesma hora em que Maya Kulycky se sentava a uma mesa da Estufa Fria, em Lisboa, para uma conversa com o PÚBLICO sobre os projectos da Google em inteligência artificial (IA), que, segundo a empresa, estão a contribuir para fazer evoluir a ciência e a sociedade em vários domínios, em Oslo, a Academia Real de Ciências Sueca atribuía o Prémio Nobel da Física a Geoffrey Hinton, um dos pioneiros da IA, que no ano passado se demitiu precisamente da Google e que desde então tem alertado acerca dos “riscos extremos” desta tecnologia.

A visão de Kulycky é, naturalmente, diferente. Vice-presidente da Google Research, a unidade da Alphabet que desenvolve investigação e novos produtos essencialmente com base na IA, a norte-americana tem a visão de quem está dentro da indústria – uma indústria em que as grandes tecnológicas estão a investir milhões num ambiente de enorme concorrência pela liderança do mercado.

Mas Maya Kulycky, com um passado de jornalista, advogada e cientista política, define-se como “uma tecno-optimista que não acredita em utopias”. Isto é, prevê que a inteligência artificial vai ser “uma ferramenta importante da nossa caixa de ferramentas para nos ajudar com alguns dos problemas mais graves da humanidade”, mas que não será nem uma panaceia, nem vai tornar os humanos dispensáveis. “Aquilo em que estou mais optimista é na possibilidade de abordarmos questões que nós, enquanto pessoas, pensávamos anteriormente que eram insolúveis. Estas são ferramentas para nos acompanhar e ajudar a melhorar as situações em que nos encontramos”, diz.

E Kulycky tem um Nobel para a troca, embora no momento da conversa não o soubesse – só seria anunciado no dia seguinte; Demis Hassabis e John Jumper, dois dos laureados no campo da Química, são os criadores do AlphaFold, um modelo com inteligência artificial que permitiu acelerar o conhecimento humano sobre as estruturas de milhões de proteínas. “Isto permite-nos tornar os tratamentos mais rápidos, compreender e desbloquear alguns dos maiores desafios de saúde que temos tido, o que estava a demorar demasiado tempo. É aqui que eu vejo a aceleração e que o impacto no nosso mundo pode chegar de forma relativamente rápida”, argumenta Maya Kulycky.

Em Lisboa, onde veio discursar num evento da empresa, a responsável focou-se em alguns dos muitos projectos em que a Google Research está a trabalhar. Como o Flood Hub, uma ferramenta de que se diz “realmente orgulhosa”, porque “permite às pessoas receberem alertas de cheias com sete dias de avanço”, o que significa que os potenciais afectados “podem deslocar-se para zonas mais altas, proteger as suas vidas e os seus bens, e os governos podem intervir e preparar recursos para ajudar a população”.

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Maya Kulycky, com um passado de jornalista, advogada e cientista política, define-se como “uma tecno-optimista que não acredita em utopias” Rui Gaudêncio

Ou o ARDA, que ao incluir IA no processo de diagnóstico da retinopatia diabética, tem permitido detectar esta forma de cegueira mais cedo e em muitos mais pacientes do que anteriormente.

Ou ainda o FireSat, lançado há menos de um mês, que serve para identificar incêndios florestais. “Consegue descobrir um fogo num espaço equivalente a uma sala de aula e fazer um mapeamento em 3D de como esse incêndio evolui a cada 20 minutos”, explica.

“Temos de perceber como é que isto é útil no mundo real”, diz Kulycky em relação ao uso da IA. Exemplifica: “Os bombeiros conseguem proteger-se e proteger bens e a vida dos outros se souberem como é que um incêndio se está a mover e as suas dimensões quase em tempo real.”

Maya Kulycky compara o estado actual da inteligência artificial aos telemóveis. Quando foram criados, “todos pensámos ‘Uau! Vamos poder ligar uns aos outros com este aparelho’. Não é para isso que eles hoje são usados”, comenta. Portanto, acredita, tal como aconteceu com os telemóveis, “será o mundo a dizer-nos” para que vai servir a IA.

Fazer previsões a longo prazo “é um disparate”, sublinha, mas se dependesse dela esta tecnologia seria usada para “uma melhoria substancial em relação ao sofrimento humano”, para “nos ajudar, por exemplo, a eliminar algumas das doenças que têm sido crónicas, dolorosas, e provocado tantas perdas”.

A Google, diz, tem uma política “de ousadia e responsabilidade andarem lado a lado” e definiu princípios para a utilização da IA que “orientam” todos os projectos. “Não podemos estar apenas na posição de criadores, nem de dizer ‘nós sabemos fazer isto’. O que estamos a fazer é envolver-nos em fóruns em que todos podemos trazer ideias e capacidade para criar as baias de que precisamos.”

Para Kulycky, é fundamental que toda a gente saiba o mínimo sobre uma tecnologia que já está a ter impacto no dia-a-dia. “Não estou a dizer que toda a gente tenha de aprender código, mas todos podemos entender o básico para nos envolvermos na discussão sobre para onde vamos e como é que isto é usado. Todos nós temos de estar envolvidos nesta discussão”, defende.

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