Aprender a lidar com o Chega (ainda)
“Nunca o Governo propôs um acordo com o Chega”, assegurou. Ventura reagiu, como seria de esperar, e, a menos que surja uma gravação, um email ou um SMS, o tema não terá pernas para andar.
O Chega, hoje com 50 deputados no Parlamento, foi disruptivo no panorama nacional, mas não no internacional, onde já havia vários exemplos de partidos e líderes populistas de direita radical. Desde o seu nascimento, em 2019, os partidos tradicionais e os agentes políticos (e também jornalísticos) têm demonstrado bastante dificuldade em lidar com o fenómeno. Em Portugal, e no estrangeiro.
Augusto Santos Silva seguiu a estratégia da confrontação, que, apesar de assertiva e agressiva (ou talvez por isso), incentivou os deputados do Chega a serem desafiadores. Para a história há-de ficar o episódio do discurso de Lula da Silva no Parlamento, interrompido por protestos que incluíram cartazes onde se lia "Chega de corrupção" e "Lugar de ladrão é na prisão" e muito barulho de mãos a baterem nas mesas durante o discurso do Presidente brasileiro.
Aguiar-Branco, novo presidente da Assembleia da República, tem a sua própria forma de lidar com o partido e já foi alvo de críticas por ter deixado André Ventura falar livremente e dizer, num debate sobre o novo aeroporto, que “os turcos não são propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo”. “A avaliação do discurso político aqui nesta casa será feita pelo povo em eleições", justificou-se Aguiar-Branco.
Vem esta introdução a propósito do mais recente diz-que-diz que envolve Ventura e o primeiro-ministro. Após avanços e recuos sobre viabilizar ou não o Orçamento, o primeiro denunciou a suposta oferta de “um acordo” por parte do PSD para dar o seu OK ao OE, admitindo, “mais para a frente”, que o Chega “fizesse parte do Governo”. “É mentira e desespero”, respondeu o primeiro-ministro.
Ventura foi, de facto, recebido em São Bento e convidado a participar em reuniões com vista a discutir a negociação do OE — num primeiro momento, recusou-se a estar presente. Esses convites, que se estenderam a outros partidos, fazem parte da normalidade democrática, em especial num cenário de governação minoritária. As datas são públicas, o conteúdo das reuniões depende.
Mesmo sendo uma ideia pouco plausível, Montenegro achou que não devia dar espaço nem tempo para que ganhasse proporção. “Nunca o Governo propôs um acordo com o Chega”, assegurou. Ventura reagiu, como seria de esperar, e, a menos que surja uma gravação, um email ou um SMS, o tema não terá pernas para andar.
De todas as que foram usadas até aqui, a estratégia do “não é não” pode muito bem ser uma das mais eficazes para lidar com o Chega. É clara e inequívoca. Só tem de ser totalmente consequente.