Trabalhadores da RTP criticam declarações e plano de Montenegro
Afirmações do primeiro-ministro sobre perguntas “sopradas” nos auriculares e plano de restruturação motivam críticas de diversos representantes dos trabalhadores da Rádio e Televisão Pública.
O conselho de redacção da RTP exigiu nesta quarta-feira que o primeiro-ministro se retractasse relativamente às declarações de terça-feira sobre jornalistas que recebem perguntas “sopradas” no auricular ou que levam perguntas escritas no telemóvel, sugerindo que elas são encomendadas. Também os sindicatos não poupam críticas ao plano do Montenegro para a RTP e às suas declarações.
Em comunicado, os membros eleitos do conselho de redacção da rádio e televisão públicas dizem que Luís Montenegro demonstrou “um profundo desconhecimento sobre o funcionamento técnico dos meios televisivos” e “desrespeito pela integridade profissional dos jornalistas”.
Na terça-feira, Montenegro aproveitou a conferência O Futuro dos Media, organizada pela Plataforma dos Media Privados, para dizer que esses comportamentos “não valorizam a profissão” e que os jornalistas devem ser mais “tranquilos” e “não tão ofegantes”.
As declarações suscitaram críticas de jornalistas e de partidos da oposição. Na RTP, a jornalista Cristina Esteves deu, na tarde de terça-feira, e em directo, uma espécie de “lição” a Luís Montenegro, explicando que o auricular serve para quem está em directo, seja no estúdio ou no exterior, comunicar com a régie que comanda a emissão. Já na TVI e CNN Portugal foi lida uma nota da direcção de informação que explicava igualmente para que servia o auricular.
“É preferível um jornalismo ‘ofegante’ do que jornalistas amansados pelo poder político para o tentar transformar em mera voz de quem tem o poder institucional”, diz o comunicado do conselho de redacção da RTP.
Reestruturação “com vista à falência”
Já os sindicatos representantes dos trabalhadores da Rádio e Televisão de Portugal dizem em comunicado que receberam “com estupefacção a notícia do Governo da AD sobre o plano de ‘reestruturação’ da empresa”.
Na terça-feira, o Governo anunciou a intenção de rever o contrato de concessão de serviço público até ao final do ano, de eliminar gradualmente a publicidade comercial dos canais da RTP até 2027, e de reestruturar a empresa, o que incluirá um plano de saídas voluntárias de até 250 trabalhadores e a sua substituição, com uma entrada por cada duas saídas, por um novos funcionários com perfil digital.
“O Governo, accionista da RTP, apresentou assim um plano de reestruturação da sua empresa com vista à falência, uma reestruturação que não cumpre os requisitos legais e que arrasta os sindicatos para compromissos inexistentes e os jornalistas para a lama”, dizem.
Acrescentam ainda que se torna “evidente que para o Governo o mercado imobiliário é o novo garante da sustentabilidade da RTP e que os acordos europeus assinados por Portugal, a este respeito, são meras formalidades”. “As leis cumprem-se! Ou, então, todos teremos o análogo direito de as desprezar”, declaram.
“A ignorância é atrevida, sabemo-lo! Ontem, uma vez mais, comprovou-se, com explicações absurdas do Governo sobre a bondade da retirada da publicidade ao serviço público, como se esta em nada abonasse os operadores privados do sector. A cereja é o auricular, instrumento de técnica ancestral que transforma o jornalismo em conspiração e na sua falha, os directos em filmes mudos e nessa altura, os pivôs em jornalistas ofegantes”, criticam.
Exigem assim “o cumprimento da lei”, recusam “o atropelo e pretendem ser ouvidos em tudo o que diga respeito à RTP”.
A concluir afirmam: “Os trabalhadores e a empresa não precisam de caridade, precisam de boa liderança e de políticos conhecedores do sector. Como é possível um conselho de administração sugerir à tutela uma perda suave de receita publicitária? Como é possível o Governo aceder à contratação de jornalistas a contratos a termo e não perceber o quanto é essencial a mesma prática para as restantes categorias profissionais da rádio e da televisão?”