Tó Zé é o peixeiro de Matosinhos que vende peixe até às dez da noite
A partir do Mercado de Matosinhos, fornece os grandes restaurantes do Norte e ainda tem tempo para entregar peixe fora de horas. Um caso que devia ser replicado noutros mercados municipais.
Os portugueses não costumam rezar um pai-nosso pela morte de um mercado municipal, mas batem palmas quando mais uma loja de uma grande cadeia de distribuição abre portas exactamente ao lado de outra loja de outra grande cadeia de distribuição. Um mercado municipal é uma coisa feia, decadente e frequentada por velhos; uma loja moderna é um espaço fixe, brilhante e cheio de promoções.
Diferentes razões estão na origem deste cenário. Em primeiro lugar, os mercados só atraem clientes acima dos 60 anos, em segundo, os mercados municipais não conseguem competir com a moderna distribuição em preço, em terceiro, na maioria das bancas há frutas e vegetais que nascem em mercados abastecedores e que tanto estão à venda em Faro como em Bragança, em quarto, o horário dos mercados é exactamente o mesmo que se praticava no tempo em que havia donas de casa (das 7h às 14h e não se fala mais nisso) e, por fim, os poderes autárquicos em geral — há excepções, claro — não se interessam pelo assunto.
De maneira que foi com o queixo colado ao peito que descobrimos que o peixeiro mais importante do Mercado de Matosinhos (António José Teixeira Cruz, mas também conhecido como "Tó Peixe" ou "Tó Zé"), permite que qualquer cliente que goste do seu serviço possa levantar peixe no mercado até às 22h. Sim, os outros peixeiros fecham as portas às 14h, mas ele permite que qualquer cidadão possa levantar peixe à hora que lhe for mais conveniente.
Uma pessoa vê isto e pensa que o Tó Zé terá feito uma pós-graduação em Marketing ou então viu a coisa num filme, mas não. “Temos clientes que gostam da forma como trabalhamos o peixe (amanhamos a gosto qualquer espécie), mas que não têm tempo de vir ao mercado durante as manhãs por causa das suas vidas, pelo que ocorreu-nos este sistema: as pessoas ligam, pedem o que querem e depois dizem a que horas passam cá para levantar a encomenda. Simples”, refere o peixeiro de 49 anos.
É certo que o Mercado de Matosinhos é, a diferentes níveis, um caso à parte, porque os responsáveis autárquicos entendem que um mercado municipal deve ser isso mesmo — um local de venda de produtos alimentares frescos ao serviço da comunidade e não apenas um equipamento para exposições ou feiras de “vinis”. Mas não se entende por que razão exemplos como este de Matosinhos não se multiplicam pelos mercados municipais do país que ainda se mantêm de portas abertas. Não se entende como é que os vendedores não se interessam por vender os seus produtos à hora a que as famílias chegam a casa. E não se entende como é que os responsáveis autárquicos não exortam os próprios vendedores a mudar de hábitos. Não se entende nada.
De resto, o caso de Tó Zé é a prova de que, mesmo com preços relativamente mais elevados, há clientes disponíveis para pagar mais pelos peixes que vende. “A minha vida não é vender peixe, a minha vida é prestar um serviço a partir do peixe.”
Em Matosinhos, Tó Zé é conhecido como fornecedor dos restaurantes mais afamados do Norte, tenham eles estrelas Michelin ou não, nos arredores do Porto, em Braga ou Penafiel — uns 50 no total. Para isso, gere uma equipa de 13 pessoas e uma frota de cinco carros de frio que estão sempre em circulação.
No Mercado de Matosinhos há outras peixeiras que também fornecem a restaurantes na terra portuguesa com mais restaurantes por quilómetro quadrado. Onde é que está o segredo do “Tó Peixe”? “Em três coisas básicas: na confiança que as pessoas têm em nós, na nossa capacidade de, em função daquilo que o mar dá, sabermos separar determinadas espécies para os clientes mesmo antes de nos fazerem as encomendas e, claro, no serviço que fazemos no amanho e na entrega do peixe. Cada cliente é um cliente, cada cliente tem as suas preferências, não só nas espécies, mas também na forma como querem que a gente prepare o peixe. Se trabalhamos assim há muitos anos, é evidente que mantemos a confiança dos clientes.”
António estaria destinado ao mundo do futebol (jogava no Leça quando o clube subiu à primeira divisão), mas problemas de saúde da mãe atiraram-no para a gestão de quatro bancas no Mercado de Matosinhos, mais uns aquários carregados de mariscos de diferentes famílias. Dorme três a quatro horas por dia, com o telemóvel sempre por perto para gerir encomendas que tanto podem chegar às 23h como às 2h, bem como propostas dos compradores que tem espalhados pelas diferentes lotas da costa.
“Assim como eu conheço as necessidades dos meus clientes finais, os meus fornecedores já sabem também o que eu quero sem me ligar regularmente, mas há sempre situações a gerir, até porque o mar não é uma fábrica de produção de frangos.” Mas três ou quatro horas de sono por dia, isso não deve dar grande saúde... “Ah, vingo-me ao domingo e à segunda-feira...”