Ataque do Hamas a território israelita. Início da retaliação de Israel.

“Acordámos na manhã de sábado, 7 de Outubro, com explosões enormes, vindas de todas as direcções. Fomos apanhados de surpresa pela declaração de guerra do Exército israelita à Faixa de Gaza. Começámos a preparar-nos, a reunir mantimentos para a família. Horas depois, Israel bombardeou a infra-estrutura eléctrica e de abastecimento de água à Faixa de Gaza. Ficámos privados de electricidade, água, internet. Os estrondos e disparos tornaram-se constantes.”
— Ahmed Zaqout, em Jabalia

Forças israelitas impõem um bloqueio total ao abastecimento de comida, água, electricidade e combustível à Faixa de Gaza. No campo de refugiados de Jabalia, no Norte de Gaza, é atingida uma habitação próxima da casa da família Zaqout, onde vivia Ahmed Zaqout com os pais e dois irmãos mais novos (19 e 22 anos).

Nesse dia, pelo menos 42 pessoas foram mortas pelas forças israelitas em Jabalia, incluindo 14 crianças, segundo as Nações Unidas. Israel não deu qualquer aviso antes do ataque.

Casa de Walaa, uma das irmãs mais velhas de Ahmed Zaqout, é atingida num ataque israelita. Renad, de 9 anos, sobrinha de Ahmed, fica ferida com gravidade.

“Nessa manhã, recebemos uma chamada da minha irmã a dizer que a casa dela tinha sido bombardeada e que as crianças estavam feridas, uma com gravidade. A Walaa e a Renad foram levadas para um hospital em Beit Lahia, onde o meu cunhado gritava para que ajudassem a sua filha, mas os feridos eram demasiados. A Renad acabou por ser transferida para o Hospital Al-Awda, em Jabalia. Tinha queimaduras no rosto, dentes partidos, fracturas nas pernas, cortes na cabeça e na boca. Berrou de dores durante 24 horas. Depois foi operada e devia ter ficado em observação, mas o Exército israelita mandou evacuar o hospital e elas tiveram de fugir. Nessa noite, nenhuma das crianças dormiu.”
— Ahmed Zaqout

Renad Zaqout, sobrinha de Ahmed Zaqout, ferida num ataque israelita que atingiu a casa onde vivia com a mãe, pai e irmãos, em Jabalia.Ahmed Zaqout

Pernas de Renad engessadas, após intervenção cirúrgica no Hospital Al-Awda, em Jabalia.Ahmed Zaqout

Mais de um milhão de palestinianos a viver no Norte de Gaza recebem ordens de retirada para Sul. Centenas de milhares tornam-se deslocados internos.

Ordens de evacuação dadas por Israel obrigam mais de metade da população da Faixa de Gaza a fugir de casa, nas primeiras semanas de Outubro. EPA/HAITHAM IMAD

Família Zaqout foge da sua casa em Jabalia e abriga-se numa escola da agência da ONU para os refugiados palestinianos (UNRWA), no campo de Al-Shati. A eles junta-se agora Walaa Zaqout, com os seus quatro filhos, com idades entre os 5 e os 12 anos, feridos no ataque que atingiu a sua casa dias antes.

Burro ferido no campo de Jabalia, a 11 de Outubro. REUTERS/Anas al-Shareef

Israel inicia a invasão em larga escala da Faixa de Gaza, por via terrestre, à medida que intensifica os bombardeamentos no Norte do enclave.

Joe Biden insta Israel a repensar a invasão de Gaza e apela antes a que se façam intervenções militares "cirúrgicas". Mas mesmo que esse pedido não fosse considerado, garantiu, o apoio dos Estados Unidos a Israel manter-se-ia "blindado". No mesmo dia, Washington vota contra uma resolução da ONU que apelava a uma trégua humanitária em Gaza.

Invasão israelita da Faixa de Gaza. Reuters/Forças de Defesa de Israel

Campo de refugiados de Jabalia, onde ficava a casa da família Zaqout, é bombardeado. Segundo uma investigação do The New York Times, Israel usou no mínimo duas bombas com quase uma tonelada cada uma, fornecidas pelos Estados Unidos, para atacar Jabalia. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, foram mortas 195 pessoas, incluindo crianças.

Cadáveres de palestinianos, vítimas do ataque ao campo de Jabalia. REUTERS/Fadi Whadi

Edifícios destruídos

Novas ordens de evacuação do Norte de Gaza obrigam mais 40 mil pessoas, incluindo a família Zaqout, a deixar as suas casas ou abrigos.

“Não temos familiares no Sul de Gaza. Caminhámos, a pé, com a minha sobrinha ao colo, em direcção ao Sul, sem saber para onde iríamos.”
— Ahmed Zaqout

Na fuga para Sul, fazem uma paragem em Khan Younis, onde se encontram com mais seis membros da família: três adultos e três crianças, irmãos e sobrinhos de Ahmed. Chegam a Rafah de madrugada (após mais de nove horas de caminho a pé).

Ficam vários dias sem abrigo nas ruas de Rafah, na zona de Khirbat al-Adas, até arranjarem uma tenda.

Bagagem da família Zaqout, antes da deslocação do Norte da Faixa de Gaza para Rafah, no Sul.Ahmed Zaqout

Israel lança a primeira grande ofensiva terrestre no Sul de Gaza, contra Khan Younis. Ofensiva israelita abrange agora quase todo o enclave palestiniano, inclusive as zonas classificadas como seguras.

Ahmed Zaqout, 24 anos, tira uma fotografia no acampamento improvisado onde a família vive em Rafah, com dois dos seus sobrinhos e dois primos. Ahmed Zaqout

Khaled Zaqout, de 11 anos (à esquerda) com o irmão, Ahmed, de 14 anos (atrás) e dois primos, em Rafah. Ahmed Zaqout

Israel intensifica os ataques no Centro de Gaza, a Khan Younis e Deir al-Balah. Na sequência desta ofensiva, mais de metade da população de Gaza desloca-se para Rafah, já sobrelotada.

“No Inverno, as chuvas inundavam a nossa tenda. Os nossos filhos tremiam de frio e não tínhamos cobertores para os aquecer. À noite abraçávamo-nos às crianças para as mantermos quentes.”
— Ahmed Zaqout

Criança observa grupo de pessoas de luto junto aos cadáveres de quatro palestinianos mortos num ataque israelita a um carro em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza, a 21 de Janeiro. Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA

Exército israelita dispara sobre centenas de palestinianos que tentavam chegar a camiões com farinha levados até à cidade de Gaza por organizações de apoio humanitário. Pelo menos 112 pessoas foram mortas e 760 ficaram feridas: alvejadas, atropeladas pelos tanques israelitas ou pisadas pela multidão que fugia ao ataque.

Civis transportam palestinianos feridos em ataque israelita na cidade de Gaza. Reuters

Evolução das mortes

Metade dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza enfrentam já uma insegurança alimentar “catastrófica”, segundo a Classificação Integrada das Fases de Segurança Nutricional. Família Zaqout relata dificuldades para encontrar alimentos e água potável, assim como cobertores ou produtos básicos de higiene.

“Estávamos muito tristes, sonhávamos com o fim desta guerra de extermínio e com o regresso ao Norte, mas era um sonho distante. Chegou Março, o mês do Ramadão, e continuávamos em tendas. Era difícil arranjar água potável e comida, os insectos comiam-nos vivos, os roedores andavam por todo o lado.”
— Ahmed Zaqout

Interior da tenda da família Zaqout, em Rafah. Na fotografia, Adam Zaqout, o membro mais novo da família, com três anos. Ahmed Zaqout

Israel bombardeia uma caravana humanitária em Deir al Balah e mata sete trabalhadores da World Central Kitchen.

Civis palestinianos junto ao carro destruído da World Central Kitchen. Trabalhadores humanitários dirigiam-se de Rafah para a cidade de Gaza. EPA/MOHAMMED SABER

Israel lança panfletos sobre Rafah a ordenar uma retirada da população e aconselha a ida para o campo de refugiados de Al-Mawasi. Família Zaqout cumpre a ordem e foge para Mawasi.

Ahmed Zaqout, 24 anos, na deslocação de Rafah para o campo de refugiados de Al-Mawasi, na zona costeira de Khan Younis. Ahmed Zaqout

Exército israelita invade Rafah e toma o controlo do único posto fronteiriço entre a Faixa de Gaza e o Egipto.

Israel avança para Rafah. Combates no Norte continuam. VIOLETA SANTOS MOURA / REUTERS

Tribunal Internacional de Justiça, a mais alta instância judicial das Nações Unidas, ordena o cessar imediato dos ataques israelitas a Rafah.

Israel bombardeia tendas de palestinianos no Noroeste da cidade de Rafah (Tal al-Sultan). Pelo menos 45 civis são mortos.

Ataque ao campo de refugiados foi descrito como um "inferno". Explosões deixaram cadáveres desmembrados e incêndios carbonizaram corpos. HAITHAM IMAD / EPA

Família Zaqout foge de Al-Mawasi depois de sobreviver a um ataque israelita que atingiu tendas próximas da sua. Muda-se com os poucos bens que tem para a cidade de Hamad, em Khan Younis.

No final de Maio, Israel matou pelo menos 21 pessoas num único ataque ao campo de refugiados de Al-Mawasi. HAITHAM IMAD / EPA

Durante uma operação para resgatar quatro reféns israelitas no campo de refugiados de Nuseirat, Deir al Balah, Israel mata pelo menos 210 palestinianos.

“Estamos em perigo em Al-Nuseirat. Por causa desta operação militar, o meu irmão e a minha irmã ficaram feridos, foram atingidos por vidros e destroços. Já perdi um irmão e uma sobrinha nesta guerra, não quero perder mais ninguém da minha família.”
— Mensagem enviada a 8 de Junho por Amani Al Tawil, uma das sobreviventes do ataque ao campo de refugiados de Nuseirat.

Destroços no campo de Nuseirat, após ataque israelita. REUTERS/Abed Khaled

Bombardeamento israelita mata pelo menos 90 palestinianos e deixa feridos mais de 300 no campo de refugiados de Al-Mawasi, zona declarada segura por Israel onde se abrigavam perto de 80 mil pessoas.

Evolução dos feridos

Palestinianos recebem ordens de retirada de Khan Younis, onde está a família Zaqout. Ofensiva israelita volta a intensificar-se no Centro do enclave.

“Sofremos muito com a falta de água em Khan Younis. Não conseguimos tomar banho, não temos produtos de higiene. A falta de higiene fez-nos adoecer, apareceram-nos lesões na pele, ficámos com queimaduras por causa do Sol."
— Ahmed Zaqout

Israel ordena nova evacuação de Khan Younis.

Khan Younis depois de uma ordem de evacuação por parte das forças israelitas. HAITHAM IMAD / EPA

Família Zaqout foge de Hamad, em Khan Younis, e regressa ao campo de refugiados de Al-Mawasi, onde fica até ao presente.

Família Zaqout sobrevive a um ataque israelita perto da sua tenda no campo de Al-Mawasi. Ahmed viu um dos seus vizinhos no campo morrer, após ser alvejado no pescoço por uma "bala perdida", relata.

Ouve-se uma mulher recitar a Shahada, prece islâmica dita em momentos de aflição. Neste caso, por medo de que sejam os seus últimos momentos de vida.

Nem todas as palavras são perceptíveis. Um homem e uma mulher avisam uma terceira pessoa para se baixar e para ter cuidado com os estilhaços, depois de se ouvir um estrondo.

Ahmed Zaqout adoece, infectado com o vírus da hepatite C.

Ahmed Zaqout

Israel bombardeia o campo de refugiados de Al-Mawasi (declarada zona humanitária) com recurso a pelo menos cinco mísseis durante a madrugada e mata entre 19 a 40 palestinianos. Dezenas ficaram feridos. Família Zaqout sobrevive.

Campo de Al-Mawasi, na zona costeira de Khan Younis, após ser atingido pelas forças israelitas. Mohammed Salem/REUTERS

Ataque a escola em Nuseirat que servia de abrigo para cerca de 12 mil pessoas mata seis trabalhadores humanitários da UNRWA.

Israel reforça presença militar na fronteira com o Líbano, onde os confrontos com o Hezbollah foram constantes durante o último ano, e intensifica ataques contra território vizinho.

Primeiras chuvas em Al-Mawasi inundam tenda da família Zaqout.

Ahmed Zaqout

Num ano foram assassinados 41.800 palestinianos em Gaza, incluindo quase 17 mil crianças, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Os números reais serão muito superiores. De acordo com um artigo divulgado pela revista The Lancet, é plausível que o número de vítimas mortais seja quatro vezes superior ao contabilizado pelas autoridades palestinianas, entre vítimas já identificadas, as que desapareceram sob escombros, as que morreram por falta de cuidados médicos ou que não resistiram a infecções, desidratação e desnutrição. É plausível que, em 366 dias, tenham morrido em Gaza 167 mil pessoas, incluindo mais de 60 mil crianças, vítimas da violência israelita.