Salman Rushdie vai publicar três novelas, as primeiras ficções desde o atentado

Os detalhes foram revelados no Lviv BookForum, na Ucrânia. O escritor acusou a Rússia de tentar contar uma versão da realidade e impô-la à História. Novas obras são sobre Índia, Inglaterra e América.

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Salman Rushdie no Cliveden Literary Festival 2024 em Windsor, Inglaterra David Levenson/Getty Images
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Já se sabia que Salman Rushdie iria continuar a escrever após o ataque que sofreu em 2022 e que o deixou, entre outras lesões, cego de um olho — no sábado, anunciou que está já a trabalhar numa nova obra de ficção, a primeira desde o atentado à sua vida. Serão três novelas, cada uma de cerca de 70 páginas, detalhou à audiência do Lviv BookForum, na Ucrânia.

As obras mais recentes de Rushdie são precisamente Cidade da Vitória (2023), o romance que tinha terminado antes do ataque por um extremista religioso no estado de Nova Iorque durante uma palestra, e Faca (2024), em que responde à violência de que foi alvo “com arte” e se foca no atentado em que foi esfaqueado 15 vezes em 27 segundos. “Senti que não podia escrever mais nada enquanto não tivesse resolvido esta questão”, disse em entrevista ao PÚBLICO em 2023.

Na mesma conversa com a jornalista e crítica Isabel Lucas, Rushdie já tinha respondido que continuaria a escrever. “Que mais poderia eu fazer com o meu tempo?”.

Agora, em videoconferência para o Lviv BookForum, em plena guerra de resistência ucraniana contra a invasão russa, a ideia era falar sobre Faca, as memórias em que tenta virar a página em relação ao ataque que não quer que o defina — mas ao qual parece ter de voltar. Mas o que se destacou da conversa, como relata o diário britânico The Guardian, foi precisamente o seu futuro trabalho. E que versará sobre “os três mundos da minha vida: Índia, Inglaterra e América. E todos eles, de alguma forma, consideram a ideia de um fim".

Em conversa com o romancista ucraniano Oleksandr Mykhed, falou da sua idade – Rushdie tem 77 anos – e da perspectiva que tem sobre o que falta na sua carreira.

“Quando chegamos a esta idade, é óbvio que pensamos no tempo que nos resta. É óbvio que não há mais 22 [livros] que vão ser escritos. Se tiver sorte, haverá um ou dois. Estive a pensar naquilo a que [o filósofo] Theodor Adorno chamou ‘estilo tardio’ e no famoso ensaio do crítico e filósofo Edward Said, intitulado On Late Style, em que fala do que acontece aos artistas perto do fim das suas carreiras artísticas. Essencialmente, o que ele diz é que há duas formas de agir. Uma é a serenidade, em que estamos reconciliados com o mundo e reconciliados com a nossa própria vida e escrevemos a partir dessa sensação de paz, e a outra é a raiva. A minha opinião é que pode[-se agir de] ambas [as formas]. Pode ser serenidade num momento e raiva noutro. Estas não têm de ser condições permanentes.”

O escritor indo-britânico, autor de Os Filhos da Meia-Noite (1981) ou Os Versículos Satânicos (1988), a obra que lhe mereceu uma fatwa decretada pelo ayatollah Khomeini há 35 anos, lamentou a “terrível situação” na Ucrânia e destacou que “o controlo da narrativa é onde está o poder”, acusando a Rússia de tentar contar uma versão da história e impô-la à História, urgindo que “é muito importante não permitir que tal aconteça”.

“Essa é a escala ampla daquilo por que todos vocês estão a passar na escala mais pequena do que me aconteceu”, disse, referindo-se ao facto de querer reclamar para si a versão do que lhe aconteceu naquele 12 de Agosto de 2022. Outra versão será o documentário que a sua mulher, Rachel Eliza Griffiths, construirá a partir das imagens que recolheu quase diariamente do escritor enquanto ele recuperava lentamente do ataque que também deixou sequelas na sua mobilidade (por exemplo, numa mão).

A 15 de Outubro, o seu atacante Hadi Matar começa a ser julgado por tentativa de homicídio. Declarou-se inocente. Recusou também um acordo quanto à outra acusação de que é alvo, esta a nível federal, por terrorismo.

O Lviv BookForum terminou domingo.

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