Desconhecerá a Fundação Calouste Gulbenkian a importância da geologia?

Sem o conhecimento geológico, seria impossível construir infraestruturas como pontes, compreender a origem e evolução da vida na Terra ou mitigar o risco de desastres naturais, como sismos e vulcões.

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Encerrou, no dia 30 de setembro, a fase de candidaturas para a edição de 2024 das Bolsas Gulbenkian Novos Talentos. Esta é uma relevante iniciativa destinada a estudantes de licenciatura e de mestrado com elevadas classificações no ensino superior português que premeia o trabalho destes estudantes e, ao mesmo tempo, promove o conhecimento e fomenta a iniciação à investigação científica, contribuindo assim para o fortalecimento da comunidade nacional de investigadores.

No entanto, uma leitura mais atenta do edital da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) revela uma lacuna incompreensível: anuncia que se podem candidatar os estudantes das “áreas de ciência básica: biologia, física, matemática e química, bem como em qualquer área das humanidades, das artes e das ciências sociais”.

Inicialmente, encarei a ausência da geologia entre as ciências mencionadas no edital como um lapso, acreditando, portanto, que seria possível a um estudante de geologia concorrer. Mas estava enganado! A resposta que recebi da equipa de bolsas da FCG foi perentória: “A lista apresentada em regulamento não é uma lista exaustiva de todas as ciências básicas. Simplesmente refere as áreas das ciências exatas que são atualmente âmbito deste concurso” e que “a área da geologia não é âmbito do concurso”.

Também nas FAQ disponibilizadas pela FCG é reforçada a ideia de que a ausência da geologia não é um lapso: no caso das Humanidades e Ciências Sociais, para os candidatos que não encontrem a sua especialidade entre as mencionadas no formulário, existem opções como “Outras Ciências Sociais” ou “Outras Humanidades”. Contudo, a opção “Outras Ciências Básicas” não está disponível no formulário...

Tendo refletido sobre a decisão da FCG de excluir a geologia da lista de áreas científicas admitidas a concurso, não encontrei justificativa para a mesma. Mais, é uma decisão simultaneamente incompreensível e irónica se tivermos em conta que Calouste Sarkis Gulbenkian (1869-1955) desenvolveu grande parte da sua atividade profissional na indústria extrativa, em geral, e na de exploração de hidrocarbonetos, em particular, como é possível confirmar no website da FCG.

Em 2021, a UNESCO declarou o dia 6 de outubro, que este domingo se comemora, como o Dia Internacional da Geodiversidade. Uma das justificações para esta decisão está relacionada com a necessidade de consciencializar a sociedade para a importância da geodiversidade no que respeita ao bem-estar e à prosperidade dos seres humanos, assim como na preservação de ecossistemas saudáveis.

A relevância da geodiversidade vai muito para lá do âmbito em que o fundador da FCG desenvolveu a atividade profissional. Sem a geodiversidade e o conhecimento geológico, seria impossível construir as infraestruturas das quais dependemos, como edifícios, vias de comunicação, pontes ou barragens. Seria também inviável garantir a nossa alimentação, que depende dos minerais presentes nos solos que sustentam a atividade agrícola. Além disso, não poderíamos compreender a origem e evolução da vida no nosso planeta, informação que está preservada nas rochas. E seria impossível mitigar o risco de desastres naturais, como erupções vulcânicas, sismos, inundações, secas, ou deslizamentos de terras.

Para concluir, deixo um último reparo à FCG: todos nós dependemos do conhecimento científico que é desenvolvido pelos geocientistas e que nos ajuda a compreender a necessidade do uso responsável dos elementos e processos que constituem a geodiversidade. Excluir a geologia da valiosa atividade que a FCG, desde há décadas, realiza no âmbito da ciência e da educação não contribui para o imprescindível caminho que é necessário percorrer se desejamos um futuro ambientalmente e socialmente mais sustentável para todos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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