Memórias debaixo de água
Uma história terna sobre o que fica do que passa e, sobretudo, sobre saber valorizar o que de melhor nos aconteceu. Mesmo que esteja submerso.
Livro criado a partir de um filme que foi premiado com o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação em 2009, A Casa dos Pequenos Cubos conta a história de um velho que continua a viver numa cidade completamente mergulhada nas águas do mar.
“Ao longo de anos e anos, o nível do mar tem subido. A água sobe e sobe e em pouco tempo a casa acaba submersa. Quando a casa é tomada pelos peixes, é preciso construir uma nova casa em cima da antiga”, descreve-se logo de início.
Sem parar, a subida do oceano obriga a que se vão sobrepondo novas casas, “empilhadas como cubos de construção para crianças”. E o velho lá as vai edificando.
Certa manhã de Inverno, o soalho da sua casa voltou a inundar-se. Estava na altura de ir buscar as ferramentas e pôr mãos à obra mais uma vez. Mas as ferramentas caíram pela escotilha que tinha no chão, por onde pescava todos os dias o seu pequeno-almoço. Vestiu o fato de mergulho e nadou por entre as casas em que vivera antes.
Desde “a última casa onde tinha vivido com a sua esposa”, logo abaixo do “cubo” em que habitava agora, até à mais profunda, a primeira “de muitas que construíram juntos”.
Neste mergulho no mar e no passado, também recordou a antiga cidade em festa: “Todos os barcos desfilavam e a música ecoava em cada esquina. Cada família cozinhava uma iguaria deliciosa para partilhar com os vizinhos. Todos ansiavam pelas tartes da sua esposa, e os netos ficavam a pé muito além da hora de deitar.”
Cada uma das casas agora sobrepostas se tinha tornado um lar, preenchido “com amor e memórias”. Aquela em que viviam quando a filha mais velha casou, a outra de onde o gato desapareceu ou a que viu nascer o primeiro filho, “o velho homem e a sua esposa eram tão jovens e a paternidade era um mundo novo”.
Ambiente triste e nem por isso
Kunio Katô é japonês, nasceu em 1977, tornou-se conhecido pela curta-metragem em que se baseia este livro, mas também assina uma aventura de sonho surrealista, The Diary Of Tortov Roddle, informa a editora Alfarroba. Kenya Hirata é um guionista também japonês que tem no seu historial filmes como Hard Days (2023) e Jun: A City That Changes (2022).
Em A Casa dos Pequenos Cubos, as imagens que vão acompanhando a história envolvem-nos num ambiente onírico tranquilo, sendo ao mesmo tempo triste e nem por isso.
Há um sentimento feliz nas aguarelas quando recuam às vivências em família e em comunidade e aos cenários de antigamente.
Um livro que convida ao exercício de nos concentrarmos nas memórias que realmente importam e de as trazer à superfície.