O vinho do Ribeiro quer lembrar o seu passado de glória
No século XX, perdeu muito do seu prestígio, mas o vinho que se faz na região do Ribeiro, em Ourense, quer recuperar a sua imagem e mostrar que está de volta.
Alberto Ubeda vai-nos fazer trabalhar, a baixar a manta (películas e engaços que vêm à superfície) numa das pipas onde o tinto vai fermentar. Mas, antes disso, há uma história que este viticultor e produtor de vinho nos quer contar.
Estamos na adega Cuñas Davia, na zona vitivinícola do Ribeiro, na província de Ourense, e Alberto sabe que tem de vencer algumas resistências. “Se recuarmos 40 ou 50 anos, o Ribeiro era um vinho muito medíocre, mas 500 anos atrás era um dos vinhos premium da Europa. E isso é desconhecido mesmo para a população local.”
Neste vale, na confluência dos vales dos rios Minho, Avia, Arnoia e Barbantiño, “a influência atlântica é muito matizada pelas montanhas” e, embora nada o confirmasse no dia da nossa visita, “a pluviosidade é muito menor”. Grandes amplitudes térmicas e solos graníticos garantem ao vinho do Ribeiro uma acidez que lhe dá o equilíbrio necessário.
Os romanos já tinham tido aqui o seu papel, mas foi com os monges de Cister que se deu “uma explosão da viticultura” e “a partir do século XIV, através do Caminho de Santiago, o Ribeiro era o vinho mais caro que entrava em Santiago de Compostela”. Daí deu um salto ainda maior, tornando-se “um dos vinhos mais exportados para Inglaterra, com preços que ultrapassavam até o vinho de Bordéus”.
Parte desta história pode ser contada nas ruas da localidade de Ribadavia. Aí, no centro histórico, há cafés que guardam no interior arcos grossos e restos de antigas adegas. Os arcos que acompanham algumas ruas serviam para proteger do sol o vinho ali armazenado e as memórias do vinho cruzam-se com as da comunidade judaica, que aqui foi muito importante e que o comercializava.
Infelizmente, D. Hermínia, carismática figura local, já fechou o seu A Tafona, onde preparava doces e outros pratos de um receituário judaico antigo (encontramo-la à porta, bem-disposta e com um avental que diz Portugal e tem um galo de Barcelos, mas já não podemos provar os seus cozinhados). Em compensação, a Taberna Papuxa, a mais antiga de toda a comarca, mantém-se muito semelhante ao que sempre foi desde que abriu portas no século XIX.
É, em parte, por causa de Portugal, e da chegada dos ingleses ao Douro para fazer o vinho do Porto – “muitos dos que construíram os socalcos do Douro vinham daqui, da Galiza”, lembra Alberto – que o Ribeiro perdeu o mercado inglês e começou a decair. A filoxera que dizimou as vinhas na Europa no século XIX veio ajudar à queda e, quando conseguiu reagir, a região apostou em castas muito produtivas mas com pouca qualidade, como a Palomino, vinda do Sul.
Ainda há muito trabalho a fazer para recuperar a imagem dos vinhos do Ribeiro, mas Alberto Ubeda está empenhado nisso. Parte da sua adega, de grossas paredes de pedra, data do século XII, tendo pertencido ao Mosteiro de San Clodio, assim como algumas das vinhas e muito do seu esforço, num território “que é dos mais minifundiários da Europa”, passa por comprar pequenas parcelas e ir criando uma propriedade maior (demorou dez anos para juntar 56 parcelas), assim como, seguindo um trabalho iniciado pelo pai, recuperar variedades autóctones.
Um dos seus vinhos mais curiosos, que provámos durante uma degustação com conservas, enchidos e queijos, é o A Xiada, um ice wine que nasceu por acaso num ano em que a geada congelou as uvas (actualmente, à falta de geada, usam neve carbónica). É um vinho, dizem os que o fazem, “para recordar que até das piores situações podemos sair reforçados”.