Um homem não pode ser assediado sexualmente por outro homem
1. Já aqui vimos a iniciativa do PAN que pretendia consagrar o assédio – sexual e moral – como infracções disciplinares no universo federativo. Contudo, o projecto de lei "virou" o sentido e veio a ser aprovada a Lei n.º 23/2024, de 15 de Fevereiro, que estabeleceu a proporção de pessoas de cada sexo na composição dos órgãos das federações desportivas e da liga profissional e prevê a criação de canais de denúncia de infracções de normas de defesa da ética desportiva. Contudo, o que não se alterou foi a actualidade dos comportamentos reveladores de assédio no mundo desportivo e, consequentemente, a necessidade de medidas preventivas e sancionatórias.
2. Durante as férias (?) visitámos alguns registos disciplinares federativos e também o da Liga de Futebol, “em busca de assédio”. A resposta regra é a da não previsão disciplinar. Os dados que recolhemos com resposta positiva não são uniformes. A Federação de Ginástica de Portugal ocupa-se da questão no seu Código de Ética. Por seu turno, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Federação Portuguesa de Voleibol (FPV), apresentam como tipos disciplinares o assédio moral e o assédio sexual.
3. Eis como a FPV trata do assédio moral, tendo o dirigente como eventual infractor (artigo 102-B, do RD): “1. Os dirigentes que importunarem agente desportivo adoptando actos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, com o objectivo de lhe criar um ambiente intimidativo, humilhante ou degradante, de infligir dor e angústia, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de 8 meses e o máximo de 4 anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50UC e máximo de 150UC. 2. Se da conduta referida no número anterior resultar lesão da integridade física ou psicológica do agente desportivo ofendido, os dirigentes são sancionados com suspensão de 3 a 5 anos. 3. Os dirigentes que manifestem atitude passiva na repressão de comportamento previsto nos números anteriores são sancionados com suspensão de 6 meses a 2 anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 15UC e máximo de 50UC”.
4. Agora a previsão do assédio sexual na FPF (Artigo 126.º-B): “1. O dirigente que importunar agente desportivo adoptando comportamento indesejado de carácter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física, é punido com suspensão de 4 meses a 4 anos. 2. O dirigente que constranger agente desportivo a praticar acto sexual contra a sua vontade, é punido com suspensão de 3 a 5 anos. 3. O dirigente que manifeste atitude passiva na repressão de comportamento previsto nos números anteriores é sancionado com suspensão de 1 a 6 meses. 4. O disposto nos números anteriores é aplicável ainda que ocorra fora de jogo oficial”.
5. No Regulamento Disciplinar da Liga de Futebol só se prevê o assédio moral. Eis um exemplo (artigo 66.º-B): “O clube que praticar quaisquer ameaças, actos hostis ou práticas laborais desfavoráveis ou discriminatórias contra quem efectue denúncias às autoridades competentes ao abrigo do n.º 6 do artigo 226.º, e por causa delas, é punido com a sanção de subtracção de pontos a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 150 UC e o máximo de 500 UC. 2. “É aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 62.º”.
A norma é limitativa nas bases do assédio moral. Ela só actua quando – artigo 226º, nº6 – um agente desportivo, que tenha conhecimento ou suspeite de comportamento antidesportivo contrário aos valores da verdade, da lealdade e da correcção e susceptíveis de alterar de forma fraudulenta uma competição desportiva ou o respectivo resultado, comunica a situação imediatamente ao Ministério Público.
6. Para além desta limitação quanto ao assédio moral, no RD da Liga não se prevê o assédio sexual. Qual a razão dessa omissão? Uma clara manifestação de machismo, muito preponderante no desporto nacional. Se nas competições da Liga só temos praticantes masculinos qual o sentido de prever o assédio sexual? Seria um disparate, porque é “sabido” que nenhum homem pode ser assediado sexualmente por outro homem.
7. Não era mau que alguém pusesse ordem nestas e outras coisas.
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