Ver por dentro a estratégia tecnológica chinesa
Um portátil da Huawei que se tornou popular na China já é feito com muitos chips de fabrico local. Mas ainda depende de componentes feitos noutros países, incluindo nos EUA.
Abrir um computador made in China é uma das formas de perceber o caminho que aquele país está a fazer rumo à auto-suficiência tecnológica com que Pequim sonha há anos. Foi o que fez o jornal Financial Times, que contratou uma empresa especializada para dissecar um portátil da Huawei, a conhecida fabricante chinesa que foi alvo de sanções dos EUA presididos por Donald Trump, às quais se seguiu a desconfiança generalizada nos mercados ocidentais, incluindo em Portugal.
A análise revelou que alguns componentes-chave do aparelho são fabricados na China, num sinal de progresso face ao que eram as capacidades de fabrico do país há alguns anos. Mas outros são de proveniência americana ou foram comprados a países alinhados com os EUA (como a Coreia do Sul) – exemplos de como a tecnologia chinesa ainda depende de uma cadeia de fornecimento para lá das suas fronteiras.
O processador do portátil (o modelo Qingyun L540 ) foi feito em Taiwan. E este é um chip que já deu que falar: quando passou a integrar portáteis da Huawei, no final do ano passado, a sua origem não era clara, levando a que alguns analistas afirmassem que se tratava de fabrico chinês e de um salto na capacidade do país para produzir chips sofisticados, ainda que não de ponta. Contudo, o chip é fabricado pela taiwanesa TSMC, uma das mais importantes empresas do sector (há a teoria de que a ilha tem fábricas da TSMC próximas do que seriam pontos prováveis de uma invasão anfíbia chinesa, para dissuadir ataques militares naqueles locais). Foi produzido no Verão de 2020 e a Huawei comprou-o em grandes quantidades, em antecipação de sanções americanas que entraram em vigor em Setembro desse ano.
Já o disco rígido e a memória RAM são de origem sul-coreana; o disco terá sido fornecido já depois das sanções, num indício de que este tipo de restrições nem sempre funciona. O chip que controla a conectividade por wi-fi e Bluetooth tem o selo da própria Huawei. Os controladores de som também foram feitos na China. Mas o componente que faz a ligação entre as portas USB e o processador é fabricado pela empresa americana Microchip.
O computador ainda está equipado com o sistema operativo Unity, que a China desenvolve desde 2019 como uma alternativa ao Windows, da Microsoft. Trata-se de um sistema Linux, que incorpora também aplicações semelhantes aos conhecidos Word e Excel, por exemplo. Além da versão para computadores pessoais, há uma versão para empresas e uma outra destinada a servidores.
O Huawei Qingyun L540 tem sido uma aquisição frequente por parte do funcionalismo público chinês nos últimos meses, depois de, em Dezembro, o Governo ter anunciado novas directivas para reduzir a tecnologia americana dentro do aparelho estatal. As restrições aplicam-se, por exemplo, ao uso de processadores da Intel e da AMD. Além disto, Pequim também tem dissuadido o uso de iPhones, um telemóvel popular entre os consumidores chineses, e está a pressionar os fabricantes de automóveis com fábricas na China a incorporarem mais chips de fabrico local.
No ano passado, a Huawei já tinha causado surpresa ao apresentar um telemóvel equipado com um chip 5G próprio, um componente cujo fabrico as sanções americanas pretendiam evitar.