Marina Gonçalves: “Se a proposta é irrecusável, é porque vão concordar connosco sobre IRC e IRS Jovem”

Ex-ministra da Habitação frisa que o PS só tem duas objecções “em mais de 500 artigos” do Orçamento do Estado e insiste que os socialistas querem estabilidade.

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Marina Gonçalves, dirigente do PS e ex-ministra da Habitação, afirma que só há uma forma de interpretar a frase do primeiro-ministro de que vai apresentar uma proposta "irrecusável" sobre o Orçamento do Estado ao PS na reunião desta quinta-feira e recusa a ideia de que Pedro Nuno Santos está a ser intransigente. Sobre cenários futuros, em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, garante que eleições antecipadas não são uma inevitabilidade e volta a insistir na gestão por duodécimos.

O PS está a exagerar ao impor "linhas vermelhas" e fazer uma lista de reivindicações para aprovar o Orçamento do Estado (OE)?
Tenho alguma dificuldade de entender quem usa o argumento de não estarmos a ser razoáveis por apresentarmos duas reivindicações, no meio de centenas de artigos no OE. E isto não é de hoje. Desde que o IRS jovem e o IRC foram apresentados que são para nós linhas vermelhas. É-me difícil, por isso, perceber o tom quase de pré-campanha a que temos assistido nos últimos dias e, por outro lado, a surpresa com a posição do PS quando nós sempre o dissemos desde o primeiro momento. Não queremos estas duas medidas no debate do Orçamento.

Temos tido sistematicamente o PSD e CDS a tentar inverter, ou tentar enganar, subverter a verdade, dizendo que estamos a fazer um OE, quando estamos a falar de duas medidas no meio de uma centena de propostas, muitas delas já apresentadas pelo Governo.

Sobre estas duas medidas, nos últimos dias parece-me que o Governo deu sinais de estar aberto a mudar tanto o que defende no IRC, como no IRS Jovem. O PS está aberto a negociar mudanças?
Nos últimos dias, temos visto uma postura bastante evidente, de membros do Governo e de deputados do PSD e do CDS, muito acintosa, muito ríspida, com pouca boa-fé no diálogo que dizem querer fazer com o PS, quase a pessoalizar o tipo de ataque que fazem, que na verdade nos dá a entender que não querem dialogar. O PS pediu dados, analisou os dados, a seguir fez propostas, sem fazer comunicados a dizer que há intransigência, reunimo-nos quando todas as partes puderam reunir-se e estamos a aguardar que o Governo apresente [hoje] a contraproposta.

O PS está aberto a discutir o IRS Jovem e o IRC, ou não?
Desde o primeiro momento dizemos que não. O IRC e o IRS Jovem, as medidas que estão apresentadas, não têm modelação possível, porque na sua génese são erradas.

A AD tem melhorado a sua postura ao promover encontros entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro ou estamos, neste momento, mais longe do que já estivemos de ver o Orçamento aprovado?
Pelo PS, a postura de hoje é exactamente a mesma do primeiro momento. Não estamos é disponíveis para, um, sermos nós a apresentar um Orçamento que é o do Governo; dois, para aprovarmos, sem mais, um OE. Os princípios da conjugação do interesse público com as convicções de política pública são fundamentais e vão estar sempre na base da discussão e da avaliação que faremos a cada momento.

Mas não seria melhor que estes encontros fossem feitos de forma mais discreta (para citar o Governo)? Não compromete mais tanto Luís Montenegro como Pedro Nuno Santos que estes encontros sejam públicos?
Não, os encontros não são públicos, os encontros são privados. Procuramos é dar a conhecer a transparência deste processo de diálogo. A forma como estamos a adjectivar comportamentos, muitas vezes pessoalizando essa adjectivação, é que faz esta perturbação da discussão pública.

E como é que viu o anúncio de Luís Montenegro de que vai apresentar uma "contraproposta irrecusável" ao PS?
Há uma reunião esta quinta-feira. Esperamos, com expectativa, essa proposta irrecusável. Há um princípio para que seja irrecusável: que o IRC e o IRS Jovem não constem da proposta do Orçamento do Estado, não prescindindo o PS do objectivo de chegar aos mais jovens, de chegar à economia, às nossas empresas. É sinal de que, efectivamente, vão concordar com a nossa questão-base relativamente ao IRC e ao IRS jovem.

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A conversa desta quinta-feira pode ser a última se essas duas propostas do Governo se mantiverem?
O PS está verdadeiramente disponível para dialogar com o Governo e, portanto, não vai ser pelo PS que não vamos ter Orçamento e que não vamos ter estabilidade no país. Pelo PS há todas as condições para darmos estabilidade ao país, para termos um OE e para podermos continuar a trabalhar em prol dos portugueses. Se não houver, não será certamente por causa do PS.

O PS não tem qualquer responsabilidade em ser menos intransigente e evitar uma crise política?
O PS sente a responsabilidade para com a população, por quem votou nos 78 deputados do PS. O PS não se pode anular no seu programa, nas suas convicções, na forma como elas se conjugam com o interesse público. Faz-se uma discussão do OE como se o OE fossem duas medidas. E isso é o pior que podemos fazer neste exercício.

O OE tem mais de 500 artigos. Não sei onde é que está a intransigência do PS por pegar em duas medidas e dizer que não podem estar na discussão do OE. Isto não é ser inflexível. Ser inflexível é se disséssemos: "Vamos conhecer o Orçamento do Estado, vamos avaliar o Orçamento todo, e depois vamos dizer aquilo que queremos que saia, e aquilo que deve ser substituído".

Há muitos socialistas que não partilham sequer a ideia de admitir votar contra o OE. Pedro Nuno Santos corre o risco de ficar isolado no PS se votar contra o Orçamento?
O secretário-geral foi mandatado, para a discussão do OE, numa comissão política nacional. Acho que o PS está unido em prol de um OE que verdadeiramente responde às pessoas. Não há nenhum socialista que não queira isso e, portanto, é esse o trabalho que está a ser feito. O PS não assumiu uma posição do 'não queremos Orçamento do Estado, vamos chumbar o Orçamento do Estado'. Por isso é que estamos a dialogar, a discutir o OE, porque achamos que é importante que haja essa estabilidade.

Mas se este processo chegar ao fim e o PS votar contra, não vai haver vozes no PS incomodadas e que vão criticar Pedro Nuno Santos?
O bom da democracia é que não pensamos todos igual. O país quer estabilidade. Nós estamos a trabalhar para haver essa estabilidade. Não é pelo PS que nós não teremos essa estabilidade e que não respondamos a estas várias dimensões. O que o PS diz é que não pode prescindir daquelas que também são as nossas convicções. O secretário-geral está a responder às várias preocupações também dentro do PS.

Para não ver o risco de cisão interna?
Não, porque não é pelo PS que o Orçamento não vai acontecer.

Se chegarmos ao final deste processo, o Orçamento for chumbado e houver eleições antecipadas e Pedro Nuno Santos perder, tem condições para se manter como secretário-geral? Isso não pesa no momento da decisão?
Não, não pode pesar. O que tem que pesar é o interesse público. No dia em que, para a decisão política, pesar todo este raciocínio, de vai haver um chumbo do Orçamento, vai haver eleições antecipadas e o PS pode perder, nós verdadeiramente não estamos a cumprir o nosso mandato como ele deve ser cumprido.

Ainda no caso de não haver viabilização por parte do PS, o Presidente da República deve convocar eleições antecipadas? Qual a posição do PS? Ou o Presidente, por exemplo, podia insistir com o Governo para fazer outro Orçamento com o Chega?
A decisão soberana cabe ao Presidente da República. Para nós, o facto de não existir um Orçamento não é necessariamente sinal de instabilidade. Já tivemos períodos em que vivemos com duodécimos e isso não implica uma estagnação do trabalho que é feito.

Seria melhor viver em duodécimos do que ir a eleições antecipadas?
Não nos cabe a nós decidir pelo Presidente da República. Para nós, não há um cenário estanque. Há outros cenários. Temos ouvido erradamente nos últimos dias dizer que o país não poderia ter um PRR executado se vivêssemos com duodécimos. Isto é errado. É preciso explicar que viver em duodécimos não implica que não haja uma continuidade nas políticas públicas. O próprio secretário-geral também disse que não era pelo PS que não existiria um orçamento rectificativo.

E o Presidente da República respondeu a Pedro Nuno Santos dizendo que era um disparate.
Não vou avaliar a posição e as opiniões de cada um.

Não será demais pedir a um Governo que continue a governar com o Orçamento do Governo anterior pelo segundo ano?
Este ano, com o OE do PS foi possível promover medidas com as quais concordamos, nomeadamente a valorização de determinados profissionais porque deixámos um Orçamento equilibrado e que permitia esta margem orçamental.

Acha que o Governo está desejoso de eleições antecipadas?
Eu não queria entrar nos achismos, mas as intervenções dos últimos dias preocupam-nos, porque foram intervenções quase num cenário, num apelo aos deputados do PSD e do CDS para se arregimentarem para um período pós-chumbo do Orçamento de Estado. Não é nessa fase que estamos. Não é nessa fase que queremos estar.

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