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JD Vance e a "ciência esquisita" do clima: um furacão que se aproxima
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"Vamos supor que é verdade, esta ideia de que as emissões de carbono causam as alterações climáticas, não vamos discutir sobre ciência esquisita", disse JD Vance, o candidato a vice-presidente dos Estados Unidos que faz equipa com Donald Trump, no debate televisivo com Tim Walz, o vice de Kamala Harris na lista democrática às presidenciais de 5 de Novembro.
"Weird." Esquisito, estranho. Uma palavra que Tim Walz fez entrar na campanha eleitoral e que se tornou viral, em reacção a declarações de JD Vance, e que provavelmente lhe garantiu o lugar de candidato democrata a vice-presidente ao lado de Kamala Harris.
Vance retomou esta palavra no debate entre os dois na terça-feira, quando lhe perguntaram o que pensava sobre as alterações climáticas. Usou-a para as alterações climáticas na caixinha das hipóteses, das opiniões manifestadas pelos seus opositores políticos. "Alguns dos nossos colegas democratas dizem que as emissões de carbono causam as alterações climáticas…", afirmou o senador de 40 anos eleito pelo Ohio.
"A realidade: os cientistas de todo o mundo dizem que as emissões de dióxido de carbono causam as alterações climáticas", respondeu, no X, o conhecido cientista climático Michael Mann.
A pergunta vinha a propósito do impacto do furacão Helene no sudeste dos Estados Unidos – que fez já 189 mortos, segundo a Associated Press, o que o torna o mais mortal dos furacões desde que o Katrina destruiu Nova Orleães em 2005.
Dois estudos de atribuição rápida que avaliam o impacto das alterações climáticas em fenómenos meteorológicos extremos – como grandes furacões – divulgados na terça-feira concluíram que a actividade humana, ou seja, as emissões de dióxido de carbono que potenciam o efeito de estufa na Terra, provocaram o aumento da quantidade de chuva trazida pelo Helene para os Estados Unidos.
O consórcio ClimaMeter, que junta vários cientistas europeus, concluiu que a pluviosidade foi até 20% mais intensa e os ventos 7% mais fortes, resumiu a NBC News. A temperatura anormalmente elevada das águas no Golfo do México foi um factor decisivo para a intensificação da tempestade e as enormes inundações que causou no Sudeste dos EUA.
Outro relatório, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley dos EUA, sugere que a influência do aquecimento global gerou 50% mais chuva sobre partes dos estados da Georgia e das Carolinas do que seria de esperar.
A administradora da Agência Federal de Gestão das Emergências (FEMA, na sigla em inglês), Deanne Criswell, reconheceu que a catástrofe causada pelo furacão Helene está relacionada com as alterações climáticas. "No passado, os danos eram causados sobretudo pelo vento, mas agora estamos a ver mais estragos causados pela água. Isso tem a ver com o aquecimento da água [do mar], que é resultado das alterações climáticas", afirmou, na CBS.
Ainda assim, Vance, que se esforçou por apresentar uma imagem polida, distante do radical frenético que critica as opções políticas das "cat ladies", foi mais civilizado do que Donald Trump. O ex-Presidente continua a dizer que as alterações climáticas são uma intrujice, e a confundir meteorologia com clima – agora o planeta está mais frio, já esteve mais quente, um dia faz chuva, outro faz sol…
Trump classifica como "uma fraude" a política de estímulo económico ao desenvolvimento de tecnologias verdes e transição ecológica da Administração de Joe Biden. E, se for eleito, na bagagem traz novamente a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a revogação de medidas e programas de protecção do ambiente e do clima. Isso consta das medidas do Projecto 2025, o manual de instruções para a segunda presidência de Donald Trump. O ex-Presidente não gosta de carros eléctricos, embora talvez Elon Musk ainda o consiga convencer a ultrapassar essa embirração.
As alterações climáticas (37%) são o último tema na lista das questões que mais preocupam os norte-americanos, segundo uma sondagem do Pew Research Center divulgado em Setembro, com a economia (81%) à cabeça. Continua a haver uma grande partidarização na forma como o tema é encarado (11% dos republicanos e 62% dos democratas destacam o clima como preocupação).
Mas a relação entre a actividade humana (as emissões) e as alterações climáticas tem vindo a ganhar raízes na consciência dos norte-americanos. Em 2024, é aceite por 78% da população, mostrou uma outra sondagem, do Instituto de Políticas de Energia da Universidade de Chicago e da Associated Press, divulgada em Junho. Continua, no entanto, a existir uma grande polarização política: enquanto 93% dos democratas é desta opinião, entre os republicanos só 62% adere. Mesmo assim, é mais de metade do eleitorado conservador.
Apesar disso, um dos candidatos nas presidenciais, ainda com sérias possibilidades de ganhar, é um negacionista do clima, que corteja abertamente o dinheiro e o apoio das empresas produtoras de energias fósseis, participando frequentemente em encontros de angariação de fundos com petrolíferas.
Há um desfasamento entre a oferta política e aquilo que pensa a maioria dos cidadãos – o que acontece em muitos países. Se esse desencontro levar à eleição de Trump e Vance para a Casa Branca a 5 de Novembro, o que acontece nos Estados Unidos não ficará só nos Estados Unidos; um novo furacão político vai dar a volta ao mundo, e os objectivos de limitar as alterações climáticas vão ser apanhados pela tempestade.