Quinta do Hospital: vinhos para a posteridade, numa vinha cheia de história
A entrada da Falua nos Vinhos Verdes levou Antonina Barbosa de volta à sua terra. Em Monção, propõe-se a criar vinhos longevos, que sejam expressão do terroir e parte da história da Quinta do Hospital
O espigueiro gigante dá pretexto a uma paragem no percurso, para lhe admirar a imponência. “É sempre um ponto de atracção”, comenta Antonina Barbosa. “A casa dos meus pais é muito perto daqui e também temos um espigueiro. Por norma, toda a gente aqui tem um espigueiro em casa. O que não é normal é ter esta dimensão”, continua. “Mostra que esta quinta era, com certeza, quatro ou cinco vezes maior (ou mais) do que é hoje, devia ocupar uma grande parte deste vale.”
Actualmente, reduzida a uns notáveis 25 hectares, continua a fugir à regra numa região onde o minifúndio domina a paisagem agrícola. Nela cabem 10 hectares de vinha, um olival com 147 árvores centenárias, um pombal anterior-ao-século-XVI-mas-não-se-sabe-bem-a-origem, e um ramalhete de outros recantos pitorescos, que aos poucos se vão abrindo aos visitantes.
Para perceber as singularidades desta propriedade invulgar, no coração da sub-região de Monção e Melgaço, importa conhecer-lhe as origens. “Não lhe posso contar a história toda, porque ficávamos aqui até amanhã”, alerta a enóloga. Assim sendo, vamos ao essencial: no século XII, D. Teresa de Leão, mãe de D. Afonso Henriques, terá oferecido estas terras à Ordem do Hospital (ou de Malta), conhecida por prestar auxílio a viajantes e peregrinos – o Caminho Minhoto Ribeiro para Santiago de Compostela ainda contorna os muros da quinta –, para que a importante ordem monástica se instalasse no condado.
Dessa primeira ocupação ficou o nome, da passagem para mãos privadas, no século XVI, permaneceu o solar brasonado. E durante todo esse tempo, a vinha sempre esteve presente no território.
O berço do alvarinho
A propriedade entrou num novo capítulo em 2021, quando o seu legado se alinhou com os planos de expansão da Falua. “Tem uma história interminável, que é aquilo que nós queremos nos projectos, uma vinha com história, que nos permita dar continuidade”, reconhece Antonina.
Para a empresa vitivinícola, com operação centrada no Tejo (e desde o ano passado, também presente no Douro), a aquisição da Quinta do Hospital marcou uma primeira aposta na região dos Vinhos Verdes. Para a directora-geral e directora de enologia foi um regresso a casa. E é com um sorriso orgulhoso que sublinha o potencial da sub-região para produzir alguns dos melhores vinhos brancos do país, à boleia da casta-estandarte deste vale encaixado entre Portugal e Espanha.
“O alvarinho aqui é diferente, é onde acreditamos que ele se expressa da melhor forma. Estamos no centro da sub-região, no puro berço”, reforça. O assunto da geografia impele-nos a olhar em redor: as montanhas de lá e de cá rodeiam as vinhas num abraço quente e húmido. “Já não é um clima tão atlântico como temos na região dos Vinhos Verdes, que é um anfiteatro voltado para o mar. Aqui temos um clima muito mais continental, com temperaturas muito mais elevadas no Verão e muito mais baixas no Inverno e sempre com amplitudes térmicas gigantes, uma humidade brutal do rio Minho, que associada a estas temperaturas tem sempre um impacto enorme no desenvolvimento da vinha”, explica Antonina. Aqui, só poderão nascer vinhos especiais.
Longevidade e terroir
Sob a mesa de prova, posta num agradável alpendre onde também são servidos os almoços e jantares vínicos, comprova-se a singularidade procurada pela marca no Barão do Hospital Alvarinho 2022, que foge à tendência de evidenciar as notas mais tropicais e aromáticas da casta, para mostrar um lado mais mineral. Um traço que a enóloga atribui ao terroir.
“Costumo dizer que é mais granítico, porque o nosso foco é ir buscar a origem das uvas, e este é um alvarinho cuja expressão está aqui na Quinta do Hospital.” Da vinha em redor do solar, cujo encepamento consiste totalmente de alvarinho (no início do próximo ano vão plantar mais 10 hectares, num terreno vizinho), resultam mais dois monovarietais, um reserva e um espumante brut nature, ambos extremamente gastronómicos.
Mas nem só de alvarinho se faz o portefólio da casa. O nome escolhido para a gama – inspirado no título atribuído a um dos proprietários da quinta – permitiu introduzir vinhos de outras proveniências dentro da região e responder à vontade de criar coisas diferentes, como um espumante de padeiro, proveniente de vinhas antigas em Vila Verde, feito segundo método clássico e com 13 meses de estágio antes do dégorgement.
O resultado é um rosé com a leveza que se espera, mas com uma surpreendente persistência na boca e complexidade capaz de acompanhar um doce ou uma entrada, ou até um piquenique de sabores regionais, como o que se pode saborear sob uma fresca alameda no Jardim das Oliveiras.
Já que saímos de Monção, façamos "uma viagem pela Região dos Vinhos Verdes", à boleia do Loureiro 2022, que vai buscar matéria-prima a Ponte de Lima, Esposende, Marco de Canaveses e Valença. "O lote final é um blend da diferenciação que temos em todas estas zonas, e tem sido um sucesso", garante Antonina. "Esta junção acaba por fazer que o vinho entregue muito mais e vá evoluindo, mostrando outras facetas", conclui.
É um loureiro que não se melindra com o tempo, que o enriquece, como é o objectivo da enóloga para todas as suas referências. "Agora estão espectaculares, mas daqui a alguns anos também vão estar, de forma diferente. Consideramos que são vinhos de guarda, são desenhados para terem um grande estágio em garrafa, para beber daqui a cinco anos, e daqui a 10." A missão, agora e no futuro, é criar vinhos longevos e com identidade bem vincada, que sejam, também eles, mais uma página na já longa história da Quinta do Hospital.
Quinta do Hospital
Avenida 24 de Agosto, 18, Cortes (Monção)
GPS: 42.0709, -8.3763
Tel.: 251656243
Web: falua.pt/vinhos-verdes
Visitas com prova desde 15 euros por pessoa (mín. 6 pessoas)
Piqueniques desde 30 euros por pessoa (mín. 15 pessoas. Inclui visita e prova)
Almoços vínicos (por marcação) sob consulta
Este artigo foi publicado na edição n.º 13 da revista Singular.
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