Parlamento aprova alargamento de consultas de planeamento familiar até à menopausa

Projecto de lei do Livre propõe que consultas de planeamento familiar sejam garantidas da puberdade até à menopausa. Aprovadas faltas justificadas para quem sofre de endometriose, por proposta do BE.

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Os leques são símbolos da menopausa, uma vez que são usados para representar os afrontamentos Paulo Pimenta
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Pela primeira vez, discutiu-se no plenário da Assembleia da República o tema da menopausa, mas nem todos os projectos de lei avançaram. Nesta quarta-feira, o Parlamento aprovou, na generalidade, o projecto de lei do Livre que pretende alargar as consultas de planeamento familiar para que sejam garantidas até à menopausa. A proposta segue para discussão na especialidade, mas com os votos contra do PSD e do CDS-PP e a abstenção do Chega. Já o projecto de lei do Bloco de Esquerda (BE), que pretendia aumentar as respostas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no que se refere à menopausa, foi rejeitado com votos contra do PSD e do CDS-PP, assim como as abstenções do PS e da Iniciativa Liberal (IL). Os restantes partidos votaram a favor.

Durante a reunião plenária, que foi requerida pelo BE e tinha como tema “Saúde sexual e direitos reprodutivos: menstruação, gravidez e menopausa”, foram a votação diferentes propostas que englobavam a menopausa. O projecto de lei do Livre pressupõe o alargamento das consultas de planeamento familiar, para que abranjam a saúde sexual e reprodutiva, desde a puberdade até à menopausa e à andropausa. No mesmo documento, o Livre propõe que os profissionais de saúde envolvidos nas consultas de saúde sexual e reprodutiva e em campanhas de literacia tenham formação sobre “não-discriminação, sexualidade, puberdade, comportamentos de risco, planeamento familiar, fertilidade, procriação medicamente assistida, menopausa e andropausa”. Na sua intervenção, a deputada Isabel Mendes Lopes (Livre) mencionou a necessidade de ser feito um estudo sobre o impacto da menopausa no local de trabalho.

O projecto do PAN que visa a criação de uma lei menstrual que inclua a menopausa foi rejeitado com votos contra do PSD, Chega e CDS-PP e com abstenções do PS e da IL. A proposta pretendia que todas as pessoas tenham acesso a cuidados de saúde adequados ao tratamento da menstruação, perimenopausa (o período de tempo variável, que inclui a fase de pré-menopausa até um ano após a menopausa) e menopausa (o dia em que alguém completa 12 meses desde que teve a última menstruação). “Ninguém pode ser discriminado em razão da menstruação, de condições de saúde que impliquem uma menstruação dolorosa, da perimenopausa ou da menopausa”, lê-se no projecto de lei. A deputada Inês Sousa Real (PAN) afirmou que existe uma falta de resposta do SNS à menopausa. “Queremos uma verdadeira carta dos direitos sexuais”, notou.

Já o projecto de lei do BE, que era apenas dedicado à menopausa, acabou por ser rejeitado. A proposta incluía “a criação, no Serviço Nacional de Saúde, de consultas de menopausa, inseridas em serviços de saúde sexual e reprodutiva”. Também se sugeria “um regime de comparticipação para suplementos, hidratantes vaginais e terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas destinados à sintomatologia associada à menopausa e desde que prescrito por médico”. Propunha-se ainda que fossem “disponibilizadas consultas de nutrição, de psicologia e de prescrição de exercício físico” para que certos sintomas fossem atenuados.

Marisa Matias, deputada do BE, referiu que estes seriam “os primeiros passos” para uma fase da vida em que muitas mulheres “não sabem [quais serão] os impactos”. “Não fazer nada significa manter as desigualdades existentes”, afirmou. Mesmo tendo o PSD rejeitado a proposta, a deputada Isabel Fernandes chegou a dizer que “a luta dos direitos das mulheres não pertence a nenhum partido político” e que era um tema que merecia “toda a atenção”.

Sem a força de lei, acabou por ser aprovado o projecto de resolução do PS, que engloba a menopausa, e vai ser discutido na especialidade. A proposta do PS recomenda que se elabore um plano nacional para a sensibilização, informação e tratamento destinado ao processo de vivência em menopausa, que envolva os profissionais de saúde e a comunidade científica, o que inclui aproveitar “a capacidade instalada nas consultas de planeamento familiar nos cuidados de saúde primários” e alargar “o acesso às terapêuticas apropriadas”. A proposta teve votos contra do PSD e do CDS-PP.

Antes da discussão no Parlamento, a médica Ana Rosa Costa tinha afirmado ao PÚBLICO que já existem consultas para menopausa no SNS, como as que estão inseridas na ginecologia endocrinológica e que se destinam, por exemplo, a mulheres que precisam de fazer terapêutica hormonal. A ginecologista do Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, que dá consultas de menopausa há cerca de 30 anos, referia também que os médicos de medicina geral e familiar estão “muito interessados” em ter formação para começar a dar consultas de menopausa. Quanto à comparticipação, que já existe para a terapêutica hormonal, salientava que poderia não fazer sentido para “tratamentos alternativos” em que “a eficácia é idêntica ao [efeito] placebo”. Tendo tudo isto em conta, para a médica, a proposta do Bloco de Esquerda, que inclui só a menopausa, “não traz grande coisa de novo”.

Faltas justificadas devido à endometriose

Outros projectos de lei ligados à saúde sexual e reprodutiva foram aprovados na generalidade nesta quarta-feira. Um projecto do BE que inclui a criação de um regime de faltas justificadas ao trabalho e às aulas de pessoas com endometriose (uma doença crónica que, entre outras coisas, causa dores menstruais intensas) ou com adenomiose (doença que se caracteriza pelo aumento do tamanho do útero) seguiu em frente, com as abstenções do PS e da IL. Este era um assunto que já vinha sendo falado pelo BE. Um projecto de lei do Livre para a introdução de um regime de faltas justificadas no local de trabalho e em estabelecimentos de ensino quando há “menstruação incapacitante” foi rejeitado com votos contra do PSD, Chega e CDS-PP e abstenções do PS e da IL.

Foi ainda aprovado um outro projecto do BE, com abstenção do Chega e da IL, assim como o voto contra de PSD e CDS-PP, para que se combata a violência obstétrica, avançando com medidas ligadas à sensibilização sobre o tema durante a formação de profissionais de saúde ou o reforço do respeito pelo plano de nascimento escolhido pela grávida. Já o PAN conseguiu luz verde para um projecto de lei sobre o reforço dos direitos da mulher no parto e no internamento no puerpério (até 42 dias depois do parto), bem como das crianças com regimes alimentares vegetarianos ou veganos e dos jovens com cancro durante o seu internamento.

O Chega teve dois projectos de resolução em votação: um em que se recomenda ao Governo para que se elabore uma estratégia nacional de combate à endometriose e adenomiose, bem como a criação de uma bolsa para investigação da doença, que foi rejeitado; e um outro pela protecção das grávidas nos cuidados de saúde no trabalho, que seguiu em frente, com abstenções do PS, IL, BE, Livre e PCP. Um projecto de resolução do CDS-PP, em que se recomenda o reforço do apoio às mulheres com endometriose no SNS, que foi aprovado por unanimidade.

Por fim, foi ainda aprovado um projecto de resolução do PS em que, entre outras medidas, se propõe que seja feito algo para se colmatar “as falhas verificadas no atendimento nos Serviços de Urgência, em especial na região de Lisboa e Vale do Tejo, Leiria e na zona Sul do país”. Teve os votos contra do PSD e do CDS-PP. Foi aprovado ainda um projecto de resolução do PCP para o reforço das medidas de acompanhamento da grávida e puérpera no SNS, que inclui o aumento do número de profissionais ou a garantia de que todas as mulheres com diagnóstico de gravidez de risco são imediatamente referenciadas para unidade hospitalar.

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