Grandes sonhos, pequenos apartamentos

É preciso sair do pequeno apartamento para ver o pequeno apartamento, mas primeiro é preciso ter dinheiro para a renda.

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"One day you’ll be buying groceries to cook dinner in the small apartment you rent" (Um dia vais comprar comida para fazer o jantar no pequeno apartamento que arrendas").

É uma daquelas frases que inspira. À primeira leitura, parece-nos um bom plano, digno de sitcom passada em Nova Iorque em tempos idos, mas rapidamente deixa de o ser. Quando passamos os olhos pela frase uma segunda vez apercebemo-nos de que ela introduz um plano, no mínimo, real e precariamente possível. Lendo a frase uma terceira vez, rimo-nos: sabemos que batemos no fundo.

É certo que a frase quer assinalar a liberdade que se sente assim que uma pessoa arranja o seu próprio espaço, mas, no fim, acaba por retratar uma fatia da atualidade de um modo bastante caricato.

Agora, nem mesmo as pessoas que escrevem frases inspiradoras na Internet sonham – foram também degoladas pela realidade imobiliária. De qualquer das formas, é, enfim, positivo reparar que os criadores destas e de outras peças que suportam moodboards têm consciência do que se passa nos mercados.

O sonho deixou de ser comprar um apartamento. Agora (e desde há uns anos), passa por pensar em arrendar um pequeno espaço que sirva de "casa". Tem muita sorte quem consegue um contrato de arrendamento – reparem que o autor da frase inspiradora escreveu "one day", ou seja, não é certo que o plano se realize; hoje, um desejo antigo não é mais do que uma possibilidade mais ou menos provável.

Percebe-se o encanto pelos pequenos apartamentos – e também pelos estúdios, que são o pináculo da estética independência+juventude) –, mas é perigoso aceitar este fascínio tão simples (se perpetuado), como se o desígnio dos jovens fosse este e não outro mais digno, efetivamente proprietário e seguro.

Seria bom se a vida fosse tal e qual a das personagens das sitcoms que vemos, mas mostra-se bem mais difícil. (Ora, tem razão Alfredo, em Cinema Paradiso, quando diz a Toto que a vida não é como nos filmes.) De facto, está bem quem consegue, sozinho, arrendar um pequeno apartamento no qual prepara, todas as noites, o jantar. É bom sinal não precisar do contributo de uma segunda pessoa, amiga ou não, para pagar uma renda.

Os apartamentos, arrendados e pequeninos, são pitorescos à sua maneira, já que demonstram, com relativa facilidade, a personalidade de quem os habita. Além do mais, concentram em si uma certa ideia de crescimento e desenvolvimento pessoal, formando espaços muito únicos, ideais para quem clama por autonomia. Constituem, por isso, uma fase importante na vida de qualquer pessoa, que se se pode ir conhecendo ao longo de escassos metros quadrados.

Porém, apenas quando são abandonados é que os pequenos apartamentos são inteiramente compreendidos: no momento em que outras opções, mais estáveis e seguras, se mostram possíveis, é possível romantizá-los da forma hollywoodesca que eles tanto merecem. Pois: é preciso sair do pequeno apartamento para ver o pequeno apartamento, mas primeiro é preciso ter dinheiro para a renda. Comprá-lo é impossível: os sonhos estão caros. Pode ser que um dia voltem a ser mais acessíveis.

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