Meu querido telemóvel
Estão a ser promovidos a besta negra, o proibicionismo alastra como um vírus nefasto, mas os smartphones são uma das mais formidáveis invenções e têm um potencial pedagógico infinito.
O impulso proibicionista acerca da utilização dos telemóveis nas escolas aconselha uma reflexão sensata sobre as suas boas e más utilizações, a relação das crianças e jovens com eles, e o potencial da sua utilização pedagógica. Como qualquer outro instrumento tecnológico, a sua utilização presta-se tanto às mais nefastas como às mais positivas finalidades, dependendo apenas de quem os manipula e respetivos interesses.
Atualmente, desde o nascimento, as crianças são expostas a toda a panóplia de instrumentos tecnológicos e, não raro, são socializadas tendo por companhia privilegiada alguns deles, verdadeiros entreténs e espécie de babá tecnológica.
É isto que é necessário ter em consideração quando as crianças iniciam os seus percursos escolares, não competindo aos jardins de infância nem às escolas reeducar as crianças e jovens, admitindo que as famílias as educaram mal, mas aproveitar as suas experiências e conhecimentos para as desenvolver e potenciar.
Há anos escrevi o texto O poder do comando no qual chamava a atenção para a profunda mudança que se estava a operar na escola onde os alunos já chegavam experts na manipulação do comando da televisão e do vídeo (ainda não havia smartphones), mudando de canal quando se enfastiavam, o que não podiam fazer na escola. O que pretendia era sensibilizar os docentes para a mudança de público que começava a aparecer e para a necessidade de lidarem com os alunos de forma diferente se queriam captar-lhes o interesse e motivá-los para as aprendizagens. De então para cá o problema apenas se agravou e os novos nativos digitais, que tratam por tu a tecnologia, são escolarizados quase como se o mundo e a escola não tivessem mudado.
O telemóvel está a ser promovido a besta negra do convívio e da aprendizagem, o proibicionismo alastra como um vírus nefasto, mas sejamos realistas, os smartphones são uma das mais formidáveis invenções de toda a história da humanidade e têm um potencial infinito como ferramentas de apoio pedagógico.
É óbvio que a sua utilização encerra perigos e o seu uso positivo em meio escolar exige supervisão, conhecimentos por parte dos docentes sobre como explorar todo o seu potencial, metodologias adequadas, práticas experimentadas, mas deitar fora o bebé com a água do banho é que não faz qualquer sentido e a vertigem proibicionista, instalada um pouco por todo o lado, pouco mais faz do que desperdiçar o mais barato e eficaz auxiliar da aprendizagem, na posse de quase todos os alunos, e a custo zero para o erário público
A propósito deste movimento proibicionista, recordo-me de, quando aprendi a escrever, se usar uma caneta de aparo – os mais novos nem sabem do que se trata; entretanto apareceram as esferográficas, logo banidas das escolas porque “estragavam a letra”; veja-se que instrumento usa hoje a maioria das pessoas para escrever à mão.
Os telemóveis têm utilizações negativas, mas o mais importante não é demonizá-los, é controlar o seu uso em meio escolar e explorar o seu potencial como auxiliar de aprendizagem, facilitador do trabalho do professor e potenciador do sucesso académico dos alunos. O problema é o saldo entre utilizá-los como instrumento de aprendizagem ou bani-los das escolas. É mais importante ensinar a usá-los produtivamente ou proibir o seu uso?
Os professores têm hoje no telemóvel o mais simples e próximo auxiliar de aprendizagem e o importante é ensinar os docentes a tirar deles todo o partido no trabalho colaborativo com os alunos, não é metê-los em caixas à entrada das escolas como se o conhecimento fosse mais importante guardado num cacifo do que libertado para ser fruído.
Como diz aquele aforismo “A mente humana é como um paraquedas, funciona melhor aberta”, também os telemóveis são melhores na mão ou no bolso do que segregados como objetos nefastos. Ensinar é muito mais importante do que proibir, deixemos os telemóveis em paz e concentremo-nos nas aprendizagens.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico