As escolas com telemóveis não são seguras
A dependência que os ecrãs provocam não é acidental, é desejada e planeada por pessoas que lucram muito com as nossas fraquezas.
Um dos argumentos de quem está contra a proibição dos telemóveis nas escolas é a ideia de que devem ser as famílias a tomar a decisão. Sou bastante favorável à autonomia das famílias e acho que o Estado não tem o direito de interferir nas escolhas dos pais em muitas coisas, no entanto, a verdade é que se algum pai ou mãe decidir mandar o filho para a escola com álcool ou com tabaco estes também não podem ser consumidos lá dentro.
E isto acontece porque partimos do princípio de que as escolas devem ser lugares seguros e, para que tal aconteça, é importante que não estejam disponíveis substâncias que podem ser prejudiciais para os alunos porque sabemos que um cérebro imaturo está menos protegido contra tudo o que causa dependência, ao mesmo tempo que também é mais prejudicado por tudo o que possa alterar o seu funcionamento. E os telemóveis, tal como as drogas e o álcool, entram nestas duas categorias.
Neste momento, os pais que decidem não dar telemóvel com acesso à Internet, não podem garantir que os filhos não terão acesso a conteúdos inapropriados ou que não sofrerão as consequências de estarem todos os colegas a usar um telemóvel.
Os telemóveis dão acesso a um mundo que pode ser bastante perigoso. São um entrave à socialização cara a cara, que é fundamental para o desenvolvimento de competências. E são um entrave à brincadeira que é fundamental para a saúde mental das crianças e jovens e que é também a situação em que aprendem a lidar consigo, com o mundo e com os outros. O aumento exponencial de problemas relacionados com a ansiedade e a depressão que se tem verificado nestas últimas décadas demonstra muito bem como a falta deste tempo de brincadeira livre tem prejudicado as últimas gerações. E se todos estão no telemóvel, quem não tiver vai ficar a olhar para o dos outros, com certeza.
Além disso, os telemóveis têm também outro tipo de perigos, mais directos.
Nas plataformas de jogos virtuais existem vários predadores que se fazem passar por crianças para conquistarem a amizade de outras crianças e para depois lhes pedirem para enviarem fotos de carácter sexual ou até para marcarem encontros. Nas redes sociais isto também acontece com muita frequência.
Um dos sites de pornografia mais vistos no mundo foi recentemente alvo de polémica por ter sido obrigado a retirar mais de 80.000 vídeos que continham imagens de crimes de carácter sexual a serem cometidos e que estavam perfeitamente acessíveis a qualquer pessoa que entrasse no site. Independentemente da sua idade. Um estudo dos EUA concluiu que a esmagadora maioria dos rapazes de 12 anos já tinha tido contacto com conteúdos pornográficos. E uma boa parte deles está viciada nesses conteúdos, com todo o impacto negativo que isto pode ter no seu desenvolvimento e na sua capacidade de estabelecer relacionamentos.
Usar aplicações de controlo parental não é suficiente para impedir que isto aconteça porque os miúdos descobrem facilmente como as contornar. Ou basta que um não tenha para que todos possam ver o que não devem.
O argumento de que se irão tornar infoexcluídos também não faz qualquer sentido, porque as tecnologias hoje são construídas e pensadas para serem tão intuitivas que até bebés e crianças pequenas aprendem facilmente a usá-las.
Alguns estudos sobre jogos de vídeo demonstravam que estes podiam ajudar a melhorar a capacidade de resposta e os reflexos, mas a verdade é que estudos mais recentes demonstram que a esmagadora maioria das capacidades que podem ser adquiridas com jogos online não se transfere para a vida real, por isso tem muito pouca utilidade.
E não servem de muito as proibições em que esperamos que as crianças fiquem com os telemóveis na mochila sem os usar. Um estudo que tem sido muito falado demonstrou bem porque é que não é realista achar que temos de ensinar os jovens a terem autocontrolo, em vez de simplesmente proibir. Ele avaliou a capacidade de responder a problemas na presença de um smartphone que podia estar ligado ou desligado em cima da mesa. E concluiu, que mesmo estando desligado, quando se comparavam os resultados com aqueles que tinham as pessoas que deixavam o telemóvel fora da sala, os resultados eram significativamente piores. Isto demonstra bem que o efeito do telemóvel é tão forte que, mesmo desligado, ainda há uma boa parte da nossa capacidade cognitiva que fica focada na tentação de lhe pegar ou na necessidade de resistir e isso faz com que sobrem menos recursos para outras coisas.
Somos seres altamente sociais e estamos programados para interagir, para querer saber o que se passa no mundo ou aquilo que os outros pensam de nós. Por isso ter um smartphone por perto é um bocadinho como ter aquela vizinha que sabe tudo sobre o bairro inteiro sempre à nossa disposição para nos contar as coisas: é demasiado tentador e difícil de resistir.
E não tenhamos ilusões: tudo no mundo digital é feito para prender a nossa atenção pelo máximo de tempo possível. A dependência que os ecrãs provocam não é acidental, é desejada e planeada por pessoas que lucram muito com as nossas fraquezas.
Algumas pessoas também referem o facto de a proibição poder causar ansiedade e até um uso ainda mais excessivo nos períodos em que voltam a ter acesso, mas a verdade é que esta é uma das marcas da dependência e sinal de que já existe um problema. E sabe-se que a redução raramente resulta para quem quer resolver uma dependência; quase sempre tem mesmo o efeito contrário: tornar a pessoa ainda mais obcecada com o seu objeto de dependência.
A segurança das escolas não está nas paredes. Vemos escolas que quase parecem prisões onde ninguém entra nem sai sem autorização, mas deixamos que o mundo inteiro entre nelas através dos telemóveis. E esquecemos que a principal segurança para as crianças e jovens é ter um relacionamento com, pelo menos, um adulto que se importe e que esteja disponível para cuidar deles. E outro dos grandes problemas dos ecrãs é que afastam as crianças dos adultos, porque são usados maioritariamente para comunicar com os pares. Os jovens dos nossos dias passam facilmente seis a oito horas diárias em frente a um ecrã. Que percentagem desse tempo é passada a falar com os pais ou com outros adultos? Eu diria que será muito pequena.
Os pais dos nossos dias vivem na ilusão de que precisam de manter o contacto com os filhos o tempo todo para se sentirem seguros e darem segurança. Mas esta necessidade de contato permanente só gera mais ansiedade e mais insegurança. Porque os jovens precisam de saber que os pais confiam neles o suficiente para saber que são capazes de lidar com o mundo e com os desafios que encontrarem até que estarem novamente juntos. E com os mais pequenos precisam de saber que os pais confiam nas pessoas a quem os entregam e que são essas pessoas que têm de cuidar deles enquanto estão na escola.
E quando começa a ser importante para os adolescentes comunicarem com os amigos, um telefone sem acesso à Internet serve perfeitamente para essa finalidade e pode ser útil visto que já quase ninguém tem telefone fixo em casa.
Mas precisamos de ter consciência que é nas relações com adultos que as crianças encontram segurança e não nas relações com os pares. E os telemóveis com Internet não acrescentam absolutamente nada a essas relações, só as prejudicam.
Acredito na liberdade como um princípio fundamental da nossa sociedade. Mas não para as crianças e jovens que ainda não têm maturidade para assumir as consequências das suas escolhas. E assumimos isto quando decidimos que as crianças não votam, não conduzem e têm uma série de outras coisas que lhes são vetadas. Porque é que com os telemóveis haveria de ser diferente?
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico