Harmonização: vinhos para a época das castanhas

A castanha tanto serve para matar a fome, como protagoniza requinte à mesa. E comemora junto com o vinho uma amizade que se renova e repete a cada vindima.

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Diogo Baptista/Arquivo Público
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Castanha, o fruto, tem no nome a cor do Outono. Com ela, a polivalência tem razão de ser. Tanto serve para matar a fome, como protagoniza requinte à mesa. Comemora junto com o vinho uma amizade que se renova e repete a cada ano, a cada vindima. Magusto, São Martinho, adega e castanhas formam laços fortes, inquebráveis e, já agora, deliciosos.

Castanhas assadas

O aroma denuncia-as a grande distância. Alastrada pelo agitar do abanico do fogareiro por quem assa as castanhas, a fumarola aromática diz-nos que o Verão foi transposto e o Outono chegou. Se as andorinhas anunciam a Primavera, as castanhas assadas facilmente podem ser um símbolo do Outono. Pelo menos em Portugal. Para mim, estes odores conduzem a outra lembrança da estação. Uma delas é o cheiro da adega e os vapores do novo vinho a nascer. A outra é o magusto. Vinho e castanhas assadas harmonizados pela tradição, sem regras ou etiquetas.

Um dos prazeres é mesmo o de separar o fruto da casca de cor cinza, devido ao carvão das brasas, e sentir na boca a sua textura macia, amanteigada e levemente farinácea, de sabor adocicado e de um certo terroso.

Na tentativa de harmonizar, não vale a pena ir à procura de vinhos muito rebuscados. Basta recordarmo-nos do magusto e do São Martinho. Vinhos tintos ligeiros e de frutada jovialidade (bem fresquinhos) ou espumantes, mais folgazões do que intrincados, até vinhos rosés com a mesma vocação dos anteriores.

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A substância e a cremosidade da sopa de castanhas ditam as características do vinho indicado para harmonizar. Vinhos de volume, corpo, suavidade na boca e uma boa sensação de frescura, para evitar enjoativos. Elementos crocantes na sopa são ajuda preciosa ao vinho. Nelson Garrido/Arquivo Público

Sopa de castanhas

Se o Outono arrasta frio, poucas soluções para aquecer são tão reconfortantes como uma nutritiva sopa de castanhas. O frio não chegou, por o tempo andar todo trocado, coma-se uma sopa de castanhas pelo prazer de saborear a sazonalidade.

A receita é tradicional em muitas regiões do país, onde a castanha é um alimento muito importante que, em tempos, substituiu o pão e a batata.

Diversificada em receituário, esta sopa pode variar desde versões mais simples, com poucos ingredientes adicionais, até interpretações mais elaboradas que incluem cenoura, batata, cogumelos e até mesmo um toque de natas para lhe enriquecer a consistência.

Consistência é um dos seus atributos mais apelativos. É reconfortante. Aconchegante. Que satisfaz.

São esses atributos de substância e cremosidade que ditam as características do vinho indicado para harmonizar. Vinhos de volume, corpo e suavidade na boca. Aromas de uma certa madurez e riqueza, sem excesso, e uma boa sensação de frescura para evitar enjoativos. Elementos crocantes na sopa são ajuda preciosa ao vinho.

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Seja branco ou tinto, importa que o vinho tenha corpo avantajado sem ser pesado, fruta no paladar, e aromas de alguma evolução (ou de trabalho com madeira) para se equiparar à riqueza do galo assado. Nelson Garrido/Arquivo Público

Galo assado com castanhas

Chega a época das castanhas e reabre-se o receituário que as faz brilhar. O galo ou capão assado com castanhas é uma delas. Seja em ocasiões festivas ou das que simplesmente juntam a família à mesa, é um prato que conjuga tradição e sabores próprios de estação. E memória.

O galo, em especial o capado, tem carne mais abastada e infiltrada de gordura, que a torna mais macia e saborosa. As castanhas acrescentam uma subtil doçura de sabor, ligeiro caramelizado de textura amanteigada.

Conforme o assado evolui, eleva o sabor da carne e cria uma capa tostada, e as castanhas absorvem os sucos e os temperos, adquirindo novos sabores.

Esta festa de sabores fica bem melhor com vinhos a condizer. As opções são variadas. Em comum devem ter, seja vinho branco ou tinto, um corpo avantajado sem ser pesado, bem providos de fruta no paladar e aromas de alguma evolução ou de trabalho com madeira para se equipararem à riqueza do prato. Versões mais alternativas como “vinhos laranja” encontram aqui muita utilidade. Espumantes de notória estrutura são opção a ter sempre em conta.

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Para harmonizar com o pudim de castanhas, é de eleger vinhos com doçura que complemente a da receita, e, ao mesmo tempo, que tenham densidade igual à do pudim. Adriano Miranda/Arquivo Público

Pudim de castanhas

Da versão assada, simples, passando pela sopa até pratos de maior substância e sofisticação, a polivalência da castanha fica comprovada com a aptidão como protagonista de sobremesas ou doçaria.

O pudim de castanhas, feito a partir de castanhas cozidas e trituradas, tem aquela irresistível textura macia e cremosa que se desfaz com volúpia na boca. Os ingredientes típicos incluem, além das castanhas, leite, ovos, açúcar, e por vezes um toque de baunilha ou canela para adicionar um extra de perfume. Em algumas receitas, é comum juntar um pouco de vinho licoroso ou aguardente velha, que lhe intensificam o sabor.

Para harmonizar com o pudim de castanhas, é de eleger vinhos com doçura que complemente a da receita, e, ao mesmo tempo, que tenham densidade igual à do pudim. Notas de alguma caramelização são bem-vindas. Se o vinho tiver acidez equilibradora, melhor. Os licorosos e os de colheita tardia são opções naturais. Um espumante com doçura mais elevada, pela acidez e efervescência, pode surpreender pela positiva. Uma aguardente vínica velha não encantará menos.


Este artigo foi publicado na edição n.º 13 da revista Singular.
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