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O desafio de ter a residência em Portugal
Os artigos escritos pela equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.
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Muita gente me pergunta como consegui a autorização de residência para viver em Portugal, já que eu ainda não tenho a cidadania portuguesa. Decidi mudar para cá em 2021, no finalzinho da pandemia, e estava inscrita em uma pós-graduação, mas meu curso não tinha duração superior a um ano, o que impossibilitava a solicitação de um visto de estudante.
A mudança para Portugal tinha que ser muito bem planejada, ainda mais com um filho pré-adolescente, e ele foi determinante para a minha permanência aqui. A lei permite que a autorização de residência seja concedida a partir do menor de idade, e foi o que eu fiz.
Na época, o serviço de atendimento ao estrangeiro era feito pelo antigo SEF, e eu consegui agendar o meu atendimento ainda no Brasil, quatro meses antes de minha viagem. Cheguei a Lisboa e fui atendida no mês seguinte.
O que eu precisava era provar que meu filho estava matriculado em uma escola, que eu já tinha um endereço de moradia e que possuía condições financeiras de o sustentar aqui. Meu filho foi matriculado em uma escola pública e eu já tinha uma conta em banco português, que foi aberta quando ainda estava no Rio de Janeiro.
Essa estratégia foi de certa forma rápida e eficaz. O mesmo não acontece com milhares de imigrantes que esperam atendimento no serviço que agora é chamado de AIMA, Agência para Integração, Migrações e Asilo, para conseguir a tão sonhada autorização de residência e poder circular livremente de um país para outro.
A esteticista carioca Tatiane Martins espera pela autorização de residência há três anos. Em setembro de 2021, ela recorreu à chamada Manifestação de Interesse, o que na época ainda era permitido, para obter a documentação. Esse mecanismo foi extinto este ano, e Portugal passou a exigir visto de trabalho ou de estudante para garantir a permanência do imigrante no país.
Recentemente, o Governo português anunciou que cidadãos do Brasil e de Timor Leste poderão pedir a autorização de residência após entrarem como turistas em território português, sem necessidade de visto. O Governo prometeu ativar um canal específico na AIMA para tratar do assunto, mas o projeto de lei ainda precisa ser aprovado pela Assembleia da República.
Enquanto espera a autorização de residência, Tatiane conseguiu trabalho, moradia, tem um número de identificação fiscal, o chamado NIF, número de utente, que dá direito ao serviço público de saúde, paga impostos e este ano abriu o próprio negócio de estética. Tudo sem ter ainda a autorização de residência. Contrariedades que mostram o quanto Portugal precisa evoluir no processo de legalização dos estrangeiros.
No início do ano, Tatiane finalmente conseguiu ser atendida, mas ainda aguarda o cartão de residente, que deveria ter sido enviado para a casa dela. Depois de alguns e-mails sem resposta e de duas idas ao balcão de atendimento da AIMA, ela descobriu que, por falha do sistema, o cartão não tinha sido enviado para a confecção.
“Na primeira vez que eu estive na AIMA para saber do meu cartão, o funcionário gritava comigo, dizia que não dava informação e ria quando eu reclamava. Eu me senti muito triste e incapaz. Estava em busca de um direito meu, e fiz questão de assinar um livro de reclamação diante do deboche do funcionário, mas nada foi resolvido. Precisei voltar uma segunda vez para descobrir o que havia acontecido e, aí sim, ter a minha autorização encaminhada. Disseram que meu cartão deve chegar agora em outubro.”
Diante das dificuldades, você pode se perguntar: Por que então insistir na vida em Portugal?
A resposta da grande maioria é a segurança e a possibilidade de melhorar de vida, com mais qualidade e melhores condições financeiras.
Portugal já não é um país barato dentro da Europa, pelo contrário, os aluguéis em Lisboa estão entre os mais caros e os salários, entre os mais baixos. O salário mínimo é de 820 euros e o salário médio não passa de 1500, 1600 euros.
Mas, apesar disso, os brasileiros acreditam ter mais poder de compra aqui do que no Brasil, sem falar do acesso à saúde e ao ensino públicos.
A decisão de migrar de país sempre tem fortes motivações, como a esperança de uma vida melhor, ou mesmo a realização de um sonho. Cada um sabe o seu motivo, mas essa mudança não deve ser feita sem planejamento e organização financeira. É fundamental que você tenha uma boa reserva para possíveis imprevistos, porque eles acontecem.
Portugal tem particularidades. Ao procurar um serviço público, por exemplo, você vai perceber que as informações mudam dependendo do atendente. Tem momentos em que a gente pensa: "Não pode ser possível! São todos loucos! Mas digo que, apesar de certas confusões, no fim as coisas funcionam. Deve ser o jeitinho português".
O fato é que depois que a gente organiza a rotina, percebe tudo de bom que Portugal pode oferecer. Vida mais tranquila, segura, muitos serviços públicos de qualidade e um povo, que embora algumas vezes possa parecer rabugento, preconceituoso e até arrogante, também sabe ser extremamente afetuoso e receptivo.
Acho que a forma como abordamos e nos relacionamos com as pessoas pode facilitar, e muito, os possíveis desentendimentos nesse processo de adaptação em um novo país e em uma nova cultura. É importante termos a consciência de que essa não é a nossa casa original, e que são os donos da casa que estabelecem as regras e costumes.
Já cruzei com alguns portugueses rabugentos, e até mesmo grosseiros, mas convenhamos que gente chata, sem noção ou sem respeito ao próximo há em todos os lugares, estejam eles acima ou abaixo da Linha do Equador.
Vou citar uma das minhas primeiras experiências com portugueses, antes mesmo de decidir viver aqui.
Eu estava na Feira da Ladra, uma feira de antiguidades que reúne centenas de expositores e é um programa que amo fazer em Lisboa. Simpaticamente, perguntei a um dos vendedores como chegar ao miradouro de Nossa Senhora do Monte, o mais alto da cidade. De imediato o senhor português começou a me indicar o caminho.
"A menina segue os carris do eléctrico (bondinho), aí passa uma escadinha e segue..."
Eis que o português ao lado interrompe: "Não, não tem escadinha. Não sigas por ali, dobras antes da escadinha".
E iniciou-se ali uma discussão: com escadinha, sem escadinha... Eu, parada em frente aos dois homens, que interromperam o que faziam e começaram a discutir sobre algo que não faria a menor diferença a eles, mas a mim sim. Confesso que já não lembro se o caminho afinal tinha ou não escadinha, mas o episódio diz muito sobre ser prestativo e gentil.
E esse não é o meu único exemplo de receptividade e simpatia por aqui. Os portugueses sabem ser generosos, brincalhões e bem-humorados. Eu convivo muito bem com eles, seja em casa, seja nos lugares que frequento.
E, se para alguns, a presença de tantos brasileiros possa ser um incômodo, ou parecer uma ameaça, acredito que, aos poucos, esses portugueses percebam que essa troca é positiva e traz fôlego novo a muitos locais do país. Nenhuma cultura sobrevive encerrada em si mesma, e todos, sem exceções, têm o direito de “descobrir” um mundo novo e mais feliz.