As duas guerras
O mundo não tem só duas guerras. Aliás, os dados mais recentes estimam que um quarto da população mundial viva em zonas afectadas por conflitos.
Faz agora um ano que os líderes de quase todo o mundo “se mudaram” para Nova Iorque para, no âmbito da 78.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, sinalizarem prioridades e debaterem soluções para os problemas centrais do planeta. No topo deles estava ainda a guerra na Ucrânia. Sem Vladimir Putin e sem Xi Jinping (entre outros ausentes), os restantes líderes propunham-se reconstruir a “solidariedade global”. Foi antes de 7 de Outubro.
Em 2024, não só a solidariedade global não foi reconstruída, como a 79.ª reunião magna da ONU, que decorre por estes dias, terá de lidar com um velho conflito com novos contornos: o do Médio Oriente.
A Rússia mantém-se na Ucrânia e a pressão no Médio Oriente continua alta, mas o mundo mudou. No último ano, a Ucrânia estendeu a sua ofensiva (ou melhor, defensiva) a solo russo e teve autorização para o fazer com armas ocidentais; Israel sofreu um ataque inédito do Hamas ao qual reagiu com violência desproporcional (matanças e destruição) sobre o povo de Gaza, incluindo no seu plano de vingança os países vizinhos; e o Irão já veio dizer que o Líbano não pode ficar sozinho contra Israel.
O mundo não tem só duas guerras. Aliás, os dados mais recentes estimam que um quarto da população mundial viva em zonas afectadas por conflitos e que uma em cada cinco crianças esteja no meio de uma guerra ou tenha sido obrigada a deslocar-se por esse motivo. Mas estas duas são suficientemente importantes para que as Nações Unidas ambicionem mais de si próprias.
Se não consegue realmente mediar a paz, promover cessar-fogos ou encontrar outras formas de mitigar a impunidade dos líderes ofensores, agressores e opressores, a ONU precisa, no mínimo, de abrir o debate em torno da suspensão definitiva, por parte dos seus membros (e alguns estão entre os mais importantes), do fornecimento de armas ou da “ajuda” militar a países que invadem outros territórios.
Seria um bom sinal vindo de Nova Iorque, mas implicaria ultrapassar o inultrapassável: a divisão da própria Organização das Nações Unidas em dois blocos.
O Presidente dos EUA, Joe Biden, que entretanto se reunirá com o seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, vestiu esta semana o fato de optimista e disse que é “preciso acabar com a guerra”. Não basta dizê-lo. E, mais do que isso, com o país à beira de eleições presidenciais que podem pôr Kamala Harris ou Donald Trump no poder, não é suficiente ser Biden a dizê-lo.