José Saramago passou por aqui
A Noite, primeira peça de teatro escrita pelo Nobel da Literatura português, foi um dos espectáculos que celebraram os 50 anos do 25 de Abril numa festa de leitores, em Ovar.
Na véspera de encerramento da 10.ª edição do Festival Literário de Ovar, a noite acolheu A Noite no Centro de Artes da cidade. Lotação esgotada (356 lugares) para assistir às palavras que José Saramago escreveu em homenagem à actriz, dramaturga e encenadora Luzia Maria Martins (1927-2000), fundadora do Teatro Estúdio de Lisboa e precursora do teatro independente em Portugal.
Tudo se passa na redacção de um jornal na véspera do 25 de Abril de 1974. Chefe de redacção e director pactuam com o poder político e vergam-se à censura. Torres, um jornalista íntegro, que não quer ser manipulado e procura a verdade (interpretado por Diogo Morgado) vê-se sempre em conflito com quem ali manda.
Quando surge o boato de que uma revolução poderá estar a acontecer na rua, os desentendimentos internos tornam-se mais evidentes. Quem dirige o jornal quer impedir que se noticie o que se está a passar no país, propondo mesmo que se provoque uma avaria nas máquinas dos linotipistas.
Será Jerónimo (Jorge Corrula), o chefe da tipografia, que se aliará a Torres, que já contava com a ajuda de Cláudia (estagiária, Sara Cecília) e com a simpatia de Faustino (contínuo, João Redondo), conseguindo um desfecho feliz e livre.
Um espectáculo com um elenco experiente, que proporcionou momentos divertidos, caricaturando quer os tiques de poder quer as atitudes de submissão no anterior regime. Tudo num cenário envolvente e com a presença aqui e ali do som roufenho de um transístor que fez recordar anúncios e mensagens daqueles tempos. (Próximas actuações: Academia de Artes do Estoril, Edifício Cruzeiro, Cascais: 28 e 29 de Setembro; Coliseu do Porto: 4 de Outubro.)
Liberdade para menores
Nesse mesmo dia, 21 de Setembro, outro espectáculo comemorou a revolução de Abril: Pássaros e Liberdade. Dirigido às crianças e às famílias, foi apresentado de manhã no Parque Ambiental do Buçaquinho por O Som do Algodão. “Uma performance poética e sonora em que a liberdade dos homens encontra o voo dos pássaros.”
O que começa por ser a história de uma semente enterrada e presa no escuro da terra acabará por resultar num campo de papoilas e no encontro entre vários seres que se respeitam e aceitam. “O poema caminha sobre uma estrada de papel. Numa rua onde se volta a gritar liberdade.”
No final do espectáculo, que reúne textos de poetas como Manuel António Pina, Natália Correia, José Carlos Ary dos Santos e Sophia de Mello Breyner Andresen, foram distribuídas sementes de papoilas a todas as crianças. Sendo assim convidadas a perpetuar a liberdade.
Desafiar a ditadura através da música
Na véspera, a Escola de Artes e Ofícios foi o palco escolhido para a actuação de Rui David, jornalista e músico, em Censurados: A Música Que Desafiou a Ditadura.
Cantando músicas de intervenção conhecidas por muitos e alternando a projecção de imagens do tempo da ditadura com a de testemunhos recentes de presos políticos facultados pelo Museu do Aljube — Resistência e Liberdade (Lisboa), o músico conseguiu comover a audiência.
Também a pôs a trautear vários temas, o que mais alto se ouviu foi Cantar de emigração (este parte, aquele parte) — com música de José Niza e letra de Rosalia de Castro.
Um concerto que pretende ser “uma celebração da música como uma poderosa ferramenta de mudança social e política”. E assim foi.
O que é um baterista?
O Festival Literário de Ovar, apoiado pela câmara municipal, terminou no domingo com um espectáculo musical no Centro de Artes. Sangue Suor apresentou o seu disco de estreia: O Salto.
“Um registo que pretende desconstruir o conceito do que é um baterista. Tal como no salto olímpico, também neste disco há seis formas de saltar no vazio: os seis temas que compõem o álbum”, lia-se na divulgação. Surma e Ana Deus também participaram no concerto.
Os 356 lugares do Centro de Arte de Ovar estiveram ocupados por várias gerações que ao longo de cinco dias desfrutaram de múltiplas actividades e conversas em torno da palavra.
Esta 10.ª edição da “festa dos leitores”, como lhe chama o programador, Carlos Nuno Granja, aliou-se à IV Conferência Internacional [Re]Pensar a Biblioteca (Melhores Bibliotecas por Um Mundo Melhor), prolongando assim até quarta-feira encontros à volta do livro e da leitura.
Nesta terça-feira à noite (21h30), no bar do Centro de Arte de Ovar, a conversa será com Virgílio Castelo sobre o seu livro Haja Deus, Se Deus Quiser (edição da Guerra e Paz) e na quarta-feira (21h30) com o subdiretor-geral da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.