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Um urso matou um homem nos Alpes italianos: entre o amor, o medo e a preservação
Existe uma relação de amor e de ódio ao urso-pardo nos Alpes italianos. O projecto Kirka, do fotojornalista Luca Rotondo, está em exposição nos Encontros da Imagem, em Braga, até 3 de Novembro.
Em Alto Adige, na Itália, as pitorescas aldeias tirolesas com vista para as Dolomitas enchem-se de turistas todo o ano. No site da comuna de Trentino, lê-se um conselho dirigido aos visitantes: “Se avistar um urso, mantenha a calma”. Hoje, não são incomuns os encontros entre pessoas e ursos na grande cordilheira dos Alpes italianos, mas nem sempre foi assim. Ali, a história da sua convivência com humanos foi quase sempre marcada por violência. Ao longo dos séculos XIX e XX, os ursos foram perseguidos por pessoas que desejavam vê-los extintos dos Alpes; graças aos seus obstinados esforços, em meados dos anos 1990 sobravam apenas três velhos ursos-pardos macho nas montanhas. Incapazes de se reproduzirem, os três seriam os últimos da sua espécie na região.
Em 1996, para salvar o urso da extinção na região, o projecto de conservação LIFE Ursus, financiado pela União Europeia, “importou” dez ursos da vizinha Eslovénia para repovoar de ursos-pardos a província autónoma de Trento. Floresceu, ao longo dos quase 30 anos de convivência, uma nova, amistosa e financeiramente proveitosa relação entre pessoas e ursos – o grande mamífero tornou-se mesmo, para gáudio de locais e turistas, num símbolo da região. Os grandes murais com a sua figura que estão espalhados pelas várias aldeias não deixam escapar isso mesmo.
No dia 5 de Abril de 2023, tudo mudou. Um urso fêmea de nome JJ4 alegadamente atacou mortalmente um jovem cidadão italiano que corria na montanha. Esse foi o primeiro caso no país em que o ataque de urso resultou em morte humana, o que deu origem a longos debates, dentro e fora de Itália, sobre o destino do animal. Se muitos achavam que o JJ4 teria apenas seguido os seus instintos, outros tantos desejavam o abate do ursídeo ou o afastamento de todos os ursos dos Alpes italianos, considerando a sua presença um perigo para a população e para os visitantes.
As associações de defesa dos direitos dos animais italianas mobilizaram-se e JJ4 não foi abatida. Apesar de existirem provas de ADN que confirmam a sua inocência, foi afastada de Itália e recebida num santuário na Alemanha, onde ainda permanece.
Nada disto passou despercebido ao fotojornalista italiano Luca Rotondo, que desenvolveu, na região do Alto Adige, o projecto Kirka. “A história da presença dos ursos nos Alpes ao longo dos séculos” encontra-se, presentemente, em exposição ao abrigo do festival internacional de fotografia Encontros da Imagem, mais concretamente no interior do Mosteiro de Tibães, em Braga, onde permanecerá até 3 de Novembro.
O projecto de Rotondo traspassa várias eras, desde a pré-história, através do registo dos primeiros vestígios fósseis da presença do urso na gruta de Conturines, até ao presente, revelando os sistemas digitais de monitorização que auxiliam a acção de equipas de cientistas dedicadas em exclusivo à preservação da população de ursos na região. Passa pelo contacto com cidadãos ou turistas ou activistas apaixonados pelo urso-pardo e com pessoas que se opõem à sua presença nos Alpes.
Kirka, que faz parte de uma exposição colectiva intitulada Do Antropoceno: Antes, Ainda e Amanhã, com curadoria de Vítor Nieves, “é a história de como salvar uma espécie de uma extinção localizada e de como possibilitar a coexistência, demasiadas vezes ameaçada”, lê-se na sinopse do projecto. “Enquanto uns os vêem [ursos] como um novo símbolo de uma revolução ambiental muito necessária, outros vêem-nos como ladrões ou assassinos. Alguns estudam-nos, outros esgueiram-se pelas suas tocas.”