O reino animal viveu dias estranhos, com cada espécie a querer ser outra. Quando se olhavam entre si, deparavam-se com “um buraquinho feito de tristeza”. O galo queria ser passarinho, que queria ser caracol, que queria ser lebre, que queria ser pata, que queria ser linda como a borboleta, que queria ficar como estava.
A todos os animais foi dada a possibilidade de ser quem não eram. Durou pouco.
A autora do texto, Rosário Alçada Araújo, diz ao PÚBLICO que procurou neste livro, “acima de tudo e como sempre, contar uma boa história, que leve os leitores a querer saber o que vai acontecer e a encontrar prazer nas palavras”.
Acrescenta ainda sobre as suas motivações para a escrita desta narrativa: “Acredito que um dos desafios do ser humano consiste em aprender a viver com o que a vida lhe oferece, sem estar constantemente a olhar para o lado e a comparar-se com os outros ou a investir num ideal que não é real. Até porque ninguém nos diz que a concretização daquilo que sonhamos nos vai fazer realmente mais felizes.”
No entanto, tem “consciência de que as motivações do escritor nem sempre vão ao encontro daquilo que os leitores descobrem na história”, considerando mesmo que “essa é uma das riquezas da leitura!”.
Lembra ainda: “Antes, durante e depois de tudo isto vêm as palavras, que são ferramenta e ao mesmo tempo fonte de inspiração. Escrever é um jogo extraordinário, porque há todo um universo a explorar.”
Por último, manifesta um desejo: “Gostava que este livro fosse lido tanto por crianças quanto por adultos.”
Processo simples e livre
Também a ilustradora de Quem me Dera Ser assim, Beatriz Francisco, diz ser esta “uma história para crianças, mas com a qual os adultos também se poderão identificar”. Pelo tema que aborda: “A aceitação de quem somos, o reconhecimento das nossas qualidades, mas também das nossas limitações.”
Não teve dificuldade em ilustrar este livro, para o qual trocou algumas ideias com a autora do texto: “Adoro animais e por isso foi fácil para mim imaginar as personagens.”
Beatriz Francisco, licenciada em Design e mestre em Design e Cultura Visual pelo Iade, fala sobre o seu processo criativo, que considera “bastante simples e livre, sem muitas regras”. E descreve: “Inicialmente, fiz um storyboard à mão, com desenhos rápidos das primeiras ideias que tive, e a partir daí passei para o digital, onde desenvolvi e finalizei as ilustrações.”
Não segue sempre uma ordem específica, ainda que de início se guie pelo storyboard. “Mas ao longo do processo este vai-se alterando com a chegada de novas ideias. Começo por onde me sinto mais inspirada e sigo assim. Vou saltando de página em página, lendo e relendo a história e quando tenho uma ideia fora de horas aponto-a para não me esquecer”, diz ao PÚBLICO por email.
Para este livro, começou pelo fim: “A primeira ilustração que fiz para este livro foi a da última página, onde estão representadas todas as personagens. Imaginei-as em grupo e quis que quando juntas fossem visualmente harmoniosas, desta forma também pude ter uma melhor percepção das dimensões de cada um dos animais.”
No seu trabalho, procura criar diferentes perspectivas e ilustrações que “nos façam querer olhar mais um bocadinho para descobrir algo que não vimos antes”. Consegue-o.
Pode dizer-se que o encontro entre as linguagens escrita e visual resulta num livro feliz. E, sim, pode muito bem ser lido, observado e desfrutado por adultos.
Quem me Dera Ser assim é apresentado neste sábado no Festival Literário de Ovar, às 15h30, no Jardim dos Campos, com a presença das autoras.