Uma aula para idosos sobre brinquedos sexuais para derrubar tabus

Ao longo de cinco dias, a comunidade sénior é convidada a participar em 12 acções de livre acesso para debater temas actuais. Sem tabus. A iniciativa é promovida pelo município do Porto.

Foto
Ao longo de cinco dias, a comunidade sénior é convidada a participar em 12 acções de livre acesso Guilherme Costa Oliveira
Ouça este artigo
00:00
04:51

A sala do Centro de Dia e Convívio da Corujeira está cheia. Utentes que já têm por hábito ocupar os seus dias naquelas instalações, ocupam os seus lugares. Preparam-se para mais uma actividade mas desta vez o tema é diferente e desafiante. É uma aula e hoje será sobre saúde mental e sexualidade. Temas que a Câmara Municipal do Porto quer ver alargados a toda a comunidade. Sem barreiras ou tabus. A sessão é uma das 12 que se inserem na “Semana Sem Idade”, uma iniciativa que conta com a participação do projecto Reformers.

“Não somos iogurtes para termos prazo de validade” é o mote que ocupa um roll-up que se impõe no canto da sala. Junto dele, os perto de 20 seniores aguardam por mais uma aula. Já é habitual a presença das formadoras da Reformers e já não é inédito serem confrontados com temas que marcam os dias de hoje e que não têm idade. Nesta quarta-feira, Lídia Araújo, psicóloga, reproduz a interacção do Preço Certo para falar de questões relacionadas com a saúde mental e a sexualidade. “Isso já não é para nós, já somos velhos para isso”, ouve-se de imediato mas, rapidamente, a alusão ao programa televisivo capta a atenção da sala. Os utentes são divididos em duas equipas e o jogo começa.

De uma forma descontraída e animada, são abordados temas que muitas vezes são considerados tabus. Os participantes tentam adivinhar o preço de certos objectos. Mas que objectos são estes? Está dado o mote para que se demonstre como funcionam alguns brinquedos sexuais. A curiosidade vem ao de cima e os tabus vão abaixo. “Também existe preservativo feminino? Eu realmente estou muito atrasada”, diz uma utente, provocando o riso geral. A boa disposição reina. A (des)informação também, mas rapidamente Lídia e a restante equipa tratam de clarificar dúvidas.

A “Semana Sem Idade” arrancou no dia 16 deste mês e finaliza nesta sexta-feira, tendo ocorrido em vários pontos da cidade do Porto. Ao longo destes dias, vários têm sido os temas abordados nas diferentes sessões: idadismo, literacia digital, saúde mental, sexualidade, violência e bem-estar e qualidade de vida. Fernando Paulo, vereador da Coesão Social da Câmara Municipal do Porto afirma ao PÚBLICO que “todos os temas são importantes porque não têm idade, são assuntos que se devem tratar por tu”. A semana, conta, arrancou com “um momento lúdico, de dança, de socialização, de partilha… momentos que os nossos seniores tanto gostam”, momento esse que contou com a participação de mais de uma centena de idosos, que se juntaram na Quinta S. Romão, em Paranhos, para um arraial. “É importante para nós, enquanto município, que eles sintam que são parte desta cidade”, acrescenta.

A “Semana Sem Idade” arrancou no dia 16 deste mês e finaliza no dia 20 Guilherme Costa Oliveira?
A aula de Saúde Mental e Sexualidade aconteceu no Centro de Dia e Convívio da Corujeira Guilherme Costa Oliveira?
A sessão serviu para desmistificar mitos e quebrar tabus Guilherme Costa Oliveira?
Fotogaleria
A “Semana Sem Idade” arrancou no dia 16 deste mês e finaliza no dia 20 Guilherme Costa Oliveira?

Temas como sexualidade nunca são fáceis de abordar por serem ainda um tabu na sociedade dos dias de hoje. Nesta geração, em que é comum ouvir-se que "os tempos eram outros" falar sobre estas questões pode ainda ser mais difícil. Sara Baldaias, gestora do projecto, dá conta disso mesmo. “Ao início houve um bocadinho essa resistência, que nós já esperávamos, porque a verdade é que há muitos mitos relacionados com a sexualidade, há uma série de preconceitos, mas isto foi trabalhado ao longo das sessões, de uma forma tão tranquila e tão natural, que agora estas são um sucesso”, sublinha.

E prova disso é o testemunho de Felisbela Mota que, com 80 anos, lamenta que, “na altura em que era nova”, nada disto existisse. “Acho que devia existir mais literatura sobre estes temas, mais aulas abertas como esta”. Confessa que, em casa, ao percorrer os canais da televisão, já se tinha deparado com algumas “daquelas coisas” que foram ali mostradas e que, agora, já percebe a sua utilidade. Foi um caminho contra a ignorância e o preconceito que teve de ser percorrido.

Foto
Lídia Araújo é psicóloga e colabora com a iniciativa promovida pelo Município do Porto, juntamente com o projecto Reformers Guilherme Costa Oliveira?

Que o diga Lídia Araújo, psicóloga responsável pela sessão. “No início, as sessões começaram por temas como a auto-estima, as emoções, os sentimentos, para hoje já conseguirmos abordar o tema dos brinquedos sexuais, do sexo não ser apenas penetração. Todas estas questões, que são muito importantes, não foram trabalhadas logo desde o início porque isso iria assustá-los”, explica ao PÚBLICO, dizendo que o tema da sexualidade em geral é sensível em grande parte das faixas etárias e que há necessidade de se começar a desmistificar.

Até ao final da semana mais temas serão abordados. Todos os assuntos contam sempre com uma parte mais teórica, onde são apresentados conceitos e ideia, sendo seguidos de uma parte mais prática, com workshops e aulas. Nesta quinta-feira o mote foi a violência, com uma aula de pintura sobre o mesmo, abordando questões psicossociais e formas de as atenuar. Nesta sexta-feira, último dia da iniciativa, serão dadas algumas ferramentas para ajudar na preparação da reforma, com aulas artes manuais e culinária. O programa pode ser consultado no site do município.

Texto editado por Ana Fernandes

Sugerir correcção
Comentar