Corta o pinhal que a filha vai casar
Se a articulação entre a atividade silvícola, a agricultura, a pastorícia e a indústria não existir, não evitaremos o desaparecimento de comunidades rurais. Não, não é um exagero.
Muitos o disseram outros o ouviram, uma e outra vez. Hoje não é assim.
Era um dos mealheiros das famílias ao qual se deitava a mão, sempre que se justificava. Pagar a boda da filha “casadoira” ou para dar resposta a uma aflição inesperada.
Se fosse necessário, vendia-se o pinhal.
A floresta foi atividade de rendimento económico que valia a pena considerar como atividade principal ou como complemento da atividade agrícola e pecuária. Um ativo importante da propriedade. Da propriedade de minifúndio, sim, porque no rendilhado deste mosaico a agricultura, a floresta e a pastorícia gera valor natural, mas também económico, se for devidamente pago (há que ter em conta as diferenças e, consequente, custos de produção).
No passado, não muito longínquo, o modo de vida, as dinâmicas sociais e as necessidades giravam em grande medida à volta dos produtos e subprodutos agrossilvopastoris, em comunidades organizadas e estruturadas, de base local. Essa sociedade mudou, o seu funcionamento mudou e as pessoas também.
Há uma nova realidade (na verdade de nova tem muito pouco) à frente dos nossos olhos, que obriga a agir perante uma estrutura rural de um novo tempo que, perigosamente nos leva a correr contra ele, a ver se nos safamos de coisas piores.
Para isso há que ter presente (todos os dias e não apenas quando dá jeito) o forte abandono da pequena parcela (é muita a pequena parcela nestes territórios do interior) que, deve ser tratado com medidas e processos capazes de reduzir a perda de área cultivada. No mesmo processo de recuperação ou reconversão, podem atingir-se metas de equilíbrio ambiental, pois claro, sem nunca esquecer o equilíbrio económico, o “ganha-pão” de cada dia, para os que insistem e resistem. Por vezes parece que uma e outra não se dão. Nada de mais errado.
Escusado seria dizê-lo uma vez mais, (há tanta distração à nossa volta que amiúde nos esquecemos) mas dois terços do país é floresta, matos e pastagens (mais coisa menos coisa, dependendo dos ciclos dos fogos rurais), que cria emprego e é fonte de matérias-primas para outros sectores de atividade. Que também é turismo, pois oferece a oportunidades para desenvolver e organizar produtos e atividades de animação turística.
A agricultura, floresta, matos e pastagens são ainda responsáveis por um conjunto de serviços fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas. Valha-nos isso, caso contrário como estaria o nível dos recursos naturais disponíveis!
Esta multifuncionalidade da floresta, onde podem acontecer diversas ações, assegura a preservação dos habitats, a proteção contra a maior severidade dos fogos rurais e a produção para fins económicos. Tudo pode acontecer em simultâneo e no mesmo espaço. Cada coisa no seu tempo, ao seu ritmo e à sua medida.
Se a articulação entre a atividade silvícola, a agricultura, a pastorícia e a indústria não existir, de forma próxima, não evitaremos o desaparecimento de comunidades rurais. Não, não é um exagero. Basta ver que umas já desapareceram e outras para lá caminham.
Desaparecem fisicamente territórios, mas desaparece também a identidade de um povo.
É certo que a demografia mudou os territórios do interior (uma perda violenta da presença humana), mas mudaram também as tendências (há quem lhes chame de modas) e não podemos deixar de notar (diria até sentir) que nos últimos anos mudou a prioridade das governanças quanto ao mundo rural. Este último é um fator crítico para a alteração da sua ocupação, gestão da paisagem, permanência de pessoas e consequente degradação.
É até contraditório o interesse nacional a este respeito: discute-se a coesão, a sustentabilidade dos territórios de baixa densidade, defende-se a resiliência das comunidades rurais como imprescindível à manutenção e recuperação da paisagem, assim como a importância da sua atividade para o crescimento económico do país, mas, depois, “a bota não bate com a perdigota”.
Estamos no momento de afirmar, de mostrar ao mundo rural que o país reconhece a sua importância, pelo seu capital natural (o maior bem patrimonial que possuímos), pela sua função social e interesse económico. Homens e mulheres precisam de sentir a valorização do seu trabalho, precisam de acreditar.
Este é o tempo para medidas rápidas. Bem sei que a pressa não costuma dar bom resultado, mas aqui não se corre esse risco, porque os problemas são velhos e por isso bem conhecidos, e as soluções estão mais do que estudadas. Assim, nuns casos é preciso apoio ao investimento na produção, noutros o pagamento devido para que se mantenha uma floresta de proteção e preservação.
Enfim, precisamos de medidas acompanhadas de recursos financeiros justos (medidos e anunciados), com previsibilidade. Saber com o que se conta é uma vantagem competitiva enorme.
Se não há uma filha para casar, há pelo menos um território para cuidar.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico