Venezuela: Congresso espanhol aprova recomendação para reconhecer vitória de González
Governo de Pedro Sánchez alinha com UE na estratégia de não repetir o “erro Guaidó” e de manter a pressão diplomática, embora esta não pareça dar sinais de avançar.
Com grande valor simbólico, mas sem consequências práticas, o Congresso de Deputados (câmara baixa do parlamento) espanhol aprovou nesta quarta-feira a recomendação proposta pelo PP com o apoio da direita de reconhecer a vitória de Edmundo González Urrutia nas eleições presidenciais da Venezuela de 28 de Julho.
A proposta do Partido Popular contou com 177 votos a favor (deputados do PP, Vox, do PNV, da UPN e da Coligação Canária), 164 contra (PSOE e Sumar, dos partidos do Governo, e a maioria dos seus aliados de investidura) e a abstenção de um deputado não inscrito, e foi aprovada na presença da filha de Edmundo González, que se encontra exilado em Espanha desde domingo.
O Governo de Pedro Sánchez, porém, não deverá acolher a recomendação aprovada, pois continua alinhado com a estratégia da União Europeia, que também é a de Portugal, de continuar a exigir ao regime de Nicolás Maduro a publicação das actas eleitorais antes de reconhecer qualquer vencedor nas eleições.
Numa visita à China, Sánchez afirmou que a posição de Madrid era clara e não iria mudar. “Pedimos a publicação das actas, não reconhecemos a vitória de Nicolás Maduro e fazemos algo muito importante, trabalhamos para que a unidade da União Europeia nos permita ter uma margem de mediação daqui até ao final do ano”, disse aos jornalistas na cidade de Kunshan, citado pela Reuters.
Espanha e outros países europeus e latino-americanos ainda têm esperança no sucesso de negociações diplomáticas do Brasil e da Colômbia para que Maduro deixe o poder de forma negociada antes do acto de posse, a 10 de Janeiro. No entanto, essa frente diplomática não tem tido nenhum sucesso, e as anunciadas reuniões entre os Presidentes dos três países não se têm realizado.
Assim, o que esses países tentam evitar, acima de tudo, é repetir o “erro Guaidó”, ou seja, repetir o fiasco diplomático de reconhecer como Presidente eleito o principal opositor de Maduro, como fizeram com Juan Guaidó em 2019.
“Estamos muito castigados, o que aconteceu com Guaidó foi uma operação política fracassada do Ocidente que acabou por cortar as vias de comunicação da Europa e dos Estados Unidos com a Venezuela e empurrou Caracas ainda mais para a Rússia e o Irão”, disse ao El País uma fonte europeia que esteve envolvida nas negociações com a América Latina naquela época. “Há consciência de que o reconhecimento de Guaidó não teve os efeitos desejados”, concorda outra fonte comunitária.
Por outro lado, o exílio de Edmundo González Urrutia, consentido pelo regime chavista, foi também negociado com Espanha, através de José Luis Zapatero, o que reduz a margem para o Governo de Sánchez reconhecer a vitória do opositor de Maduro.
Embora não sejam conhecidos os termos acordados, o jornal argentino Clarín noticiou que o cerco da embaixada da Argentina em Caracas e a decisão de revogar a autorização dada ao Brasil para representar os interesses daquele país sul-americano fez parte da estratégia do regime chavista para forçar o exílio de Urrutia. A intenção seria debilitar a liderança da oposição e gerar uma frustração nas bases da dissidência para reduzir os protestos.
“Usaram a embaixada argentina sob a protecção do Brasil como parte de uma enorme pressão sobre González Urrutia para convencê-lo a abandonar o país”, disse ao jornal uma “alta fonte da diplomacia brasileira”.
Certo é que o cerco foi levantado no domingo à noite e a energia eléctrica foi restabelecida naquela embaixada, onde se encontram refugiados, desde Março, seis dirigentes do partido Vamos Venezuela, de Urrutia e María Corina Machado, o principal rosto da oposição. “Esta foi uma operação de uma notável audácia, sem nenhuma ética, mas realmente muito bem armada para dar o resultado que é este triunfo para o regime”, acrescentou a mesma fonte.
A partir de Espanha, Edmundo González publicou uma mensagem na rede social X em que afirma que a sua decisão pelo exílio foi tomada “a pensar na Venezuela”: “Só a democracia e a realização da vontade popular pode ser o caminho para o nosso o futuro como país e é nisso que sigo comprometido.”
Mas a sua saída da Venezuela reduziu ainda mais as esperanças de mudança política, como disseram vários analistas à Reuters, uma vez que Maduro tem ignorado todas as pressões diplomáticas.