Não Fales do Mal: um filme, muitos clichés amontoados

O ritual do estranho afectuoso, por James Watkins.

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O filme Não Fales do Mal estreia-se esta quinta-feira nas salas de cinema portuguesas
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Um cliché é um “tropo narrativo” que perdeu a dignidade, esse é o mal de Não Fales do Mal e não há como não falar dele.

Mesmo admitindo que uma certa previsibilidade, quase ritualística, faz parte da essência de certos géneros (como o thriller), este remake anglo-americano (produção americana, realizador inglês) de um filme dinamarquês tornado sucesso de “culto” exagera, quase tudo nele é ritual, previsível e desprovido da inspiração que traz pele nova a cerimónias antigas.

É, por um lado, a cerimónia do “estranho afectuoso”, do estranho que se apega brusca e intensamente – a personagem de James McAvoy, que se apresenta como um médico britânico a um casal americano durante umas férias em Itália e nunca mais o larga. É, por outro lado, a cerimónia dos “americanos no estrangeiro”, sempre desconfortáveis e amedrontados com tudo – porque não há opções vegetarianas no menu, ou porque se leva crianças a passear de moto sem capacete, ou porque os lençóis não parecem bem lavados. É subsidiário, não parece que James Watkins (A Mulher de Negro) tenha sequer interesse em explorar isso e em fazer de uma “comédia do desconforto” o lado B do seu “thriller psicológico”, mas de todos os clichés amontoados em Não Fales do Mal ainda é o que funciona melhor, muito por causa do silêncio perplexo que está sempre nos rostos de Mackenzie Davis e Scoot McNairy, que interpretam o casal americano.

O silêncio perplexo deles também vem do facto de serem, no fundo, os primeiros espectadores do número de McAvoy, a desfazer-se em maneirismos de suavidade sinistra, demonstrações de afecto desproporcionado, súbitas flutuações de humor.

Ao cabo do primeiro terço do filme, já só há duas dúvidas no espírito do espectador: saber quando é que a simpatia perturbante de McAvoy vai dar lugar à monstruosidade desenfreada, e qual vai ser a desculpa esfarrapada para justificar a transformação. Watkins contém a resposta a essas dúvidas quase até ao fim, e felizmente, porque esse momento coincide com o desaparecimento do pouco interesse que o filme tinha.

O segmento final é pura burocracia de género, aniquilação do suspense, cúmulo da previsibilidade déjà vue que faz o mal de Não Fales do Mal.

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