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SOS Democracia: quem irá salvá-la?
Políticos como André Ventura e Pablo Marçal são reflexos e consequência do que temos feito nestas últimas décadas, que é mal cuidar da democracia.
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Os manuais de História apresentam-nos o significado de democracia como o poder que emana do povo. Conceito criado há mais de dois mil anos, nos tempos das cidades-estados, na Grécia, que permanece vivo até os dias de hoje.
As democracias modernas representam a integração entre os direitos civis, políticos e sociais, além dos princípios da igualdade, da liberdade de expressão e política e da garantia do bom funcionamento das instituições públicas — Executivo, Legislativo e Judiciário (incluindo Ministério Público) e o direito. É a forma mais saudável de uma sociedade existir, em que a relação entre os governados e os governantes é legitimada pela vontade da maioria do povo.
Muito se tem dito sobre as fragilidades das democracias atuais. Isto é verdade. Com o surgimento de novas tendências radicais que propagam o autoritarismo, esse movimento está contaminando as sociedades democráticas.
Nos últimos meses, tanto no Brasil quanto em Portugal, são vistos quase que diariamente dois personagens políticos: André Ventura e Pablo Marçal (novo clone de Jair Bolsonaro). Esses dois senhores expressam o que há de mais ofensivo e perigoso para a democracia. Não são os únicos, mas são os mais evidentes atualmente nesses dois países.
Marçal, candidato relâmpago à Prefeitura de São Paulo, a maior cidade do Brasil. E André Ventura, presidente do partido Chega e deputado na Assembleia da República.
Caro leitor, se ainda não conhece, veja um trecho (não o editado pela equipe do candidato Marçal) dos últimos dois debates e faça você uma avaliação. Aproveite e bisbilhoteie as redes do Ventura.
Até parece que foram separados após o nascimento, tamanha é a semelhança entre eles. Inclusive, pela desenvoltura ao se comunicarem por meio das redes sociais com o público jovem. Dois populistas de audiência gigante, sem nenhum tipo de auto-controle, filtro e respeito, o que alegra o circo, que é o ambiente das redes sociais.
Pois bem, esses dois rapazotes são reflexo da democracia doente. E, pior, querem-na deixar cada vez pior. Um estudo da Open Society Foundation, realizado entre maio e julho de 2023 com mais de 36 mil pessoas em 30 países, traz uma radiografia mundial sobre o significado e a importância da democracia nos dias atuais. Os dados são, além de interessante, assustadores:
• 86% dos inqueridos dizem preferir viver num Estado Democrático;
• 62% acreditam que a democracia é a melhor forma de governo possível e;
• 20% acreditam que os Estados autoritários são mais capazes de satisfazer as exigências dos cidadãos.
Sobre a democracia ser a melhor forma possível de governo, entre os mais jovens (18 a 35 anos), o índice é menor: 55%. Na faixa etária dos 35 a 55 anos, sobe para 61,4% e, entre os maiores de 56 anos, passa para 69%.
Mas o que realmente impressiona é que, dentro do universo de jovens (18 a 35 anos), 42% consideram o regime militar uma boa forma de governar o país e 35% são a favor de um líder “forte”, que dispensa eleições e parlamentos.
A democracia está na UTI por culpa dos democratas. A culpa não é só dos políticos. Sejamos sinceros. É nossa, e me incluo nessa situação. Pior, os dois rapazotes são reflexos e consequência do que temos feito nestas últimas décadas, que é mal cuidar da democracia.
Ao se deparar com políticos como Venturas e Pablos, é preciso repensar todo o sistema e, inclusive, avaliar os limites das redes sociais, pois os dois são ovacionados por uma manada que deve ter faltado às aulas de História e, pior, por jovens e crianças que acham graça de tudo, uma vez que têm um dispositivo às mãos.
Ventura e Marçal saíram na dianteira e, espertamente, enxergaram um terreno fértil para semearem suas ideias. Tornaram-se os políticos do futuro. O discurso digital. A aproximação instantânea entre governante e governado. Criaram uma intimidade com seus seguidores. Preencheram o vazio dos cidadãos que, há tempos, sentem-se abandonados pelos governantes.
E mais: em uma simulação com adolescentes na eleição para a Assembleia Legislativa de Portugal, em fevereiro último, o grande vencedor foi André Ventura. Chocante. Sim. Brincadeira? Não. E o porquê de escolher o André Ventura? Gostarem dele no Tik-Tok. Temos aí uma fábrica de “anti-democratas” do futuro.
Como eu disse, os democratas deixaram isso acontecer. Com discursos e atitudes analógicas frente ao desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, não souberam construir a democracia digital. Vive-se a falência da democracia analógica e vê-se no horizonte próximo o autoritarismo digital. A democracia deve ser feita por todos. Se queremos preservá-la, devemos iniciar um forte processo de conscientização da sua importância. É preciso olhar para isso com urgência.